Uma pintura extemporânea

  06/12/09 – Domingo

           2º Domingo do tempo do advento, ano litúrgico de 2010.

          Às 17h, RES reuniu os presentes para aquela que seria “a primeira construção coletiva da cabana, uma pintura extemporânea”.

          Para tanto, RES definiu verbalmente os princípios fundamentais a serem adotados, a saber:

I – Vontade de fazer a pintura.

II – Trabalho elétrico.

III – Nenhum elemento externo de cor, nenhuma outra cor senão as imanentes aos próprios materiais empregados.

 

          Imediatamente após a preleção, o trabalho foi iniciado, com assistência de Shintate, Bhagavan, Aboud, Mharques, Rehnman e Borghi. O suporte definido foi uma caixa de madeira com dimensões semelhantes às de uma porta. Os materiais (tubos de lâmpadas fluorescentes, fios, reatores, fita isolante) e as ferramentas (aparafusadeira, alicate de corte, alicate de descascar fio, estilete, martelo) foram reunidos. Após trabalhoso ligamento dos tubos de luz, foi escolhido o lado mais plasticamente significativo da superfície da prancha de madeira para início do trabalho; o ponto esteticamente mais frágil foi o primeiro a ser ativado. Enquanto os colaboradores instalavam ali os aparatos elétricos, RES coordenava-os por meio de exortações como “Use o olhômetro: aqui, nada de precisão científica!”, “Nada de mãozinha de moça para fazer isso!”, “Você tem que aprender a fazer um gato!”, “Quanto mais risco melhor!”. RES também instalou um decisivo respiro na caixa de madeira, interligando o interior da caixa com o ar do ambiente exterior. O trabalho ainda contou com o apoio de Mauro Martorelli, diretor técnico da FUNARTE, que pôde detectar a tempo um foco de curto-circuito em um importante cabo.

          Depois de quatro horas de intenso trabalho coletivo, a obra estava pronta. A excessiva e indesejada luminosidade branca, contudo, foi controlada por RES com fitas adesivas vermelhas. Enfim, contrariando a expectativa desta testemunha ocular ­– que, pelos materiais empregados, imaginava concluída uma obra pesada, rude, sobrecarregada, eletricamente violenta ­–, o resultado foi um quadro de natureza extremamente sutil, delicada até, mas de impressionante profundidade e complexidade.

          Por exemplo, o vazio externo adjacente ao lado esquerdo do quadro foi “pintado” por um belo jogo de luz, integrando-se à obra. Mas, paradoxalmente, um enorme espaço vazio restou na obra em si, que manteve extensa área da madeira nas sombras, sem qualquer iluminação, desenho ou representação com fins de ocupação de espaço. Também extraordinariamente, o escabroso emaranhado de fios dependurados e de reatores expostos não ocupou excessivo lugar de destaque no conjunto da obra, ainda que sem perder sua excessividade intrínseca.

          Metafisicamente, no começo da parte vazia, obscura (até perturbadora) da obra, jaz o respiro instalado por RES, como uma espécie de ralo do real, ao redor do qual os entes perdem progressivamente determinação, completude. Este respiro mantém os entes externos, visíveis, em contato com o limbo absoluto do interior da caixa, onde não existe qualquer ente. Um respiro entre o ser e o não-ser. Seria este vínculo necessário à sustentação da realidade? A passagem chama-se morte?

          Nenhuma conclusão é possível, porque esta obra de RES – como todas as demais – não é, de modo algum, ilustração de conceitos filosóficos pré-determinados. Ela está além e aquém da filosofia. A certeza, contudo, é de que esta obra oferece, no seu conjunto, a impressão de uma peculiar harmonia, por mais que seja espacialmente desequilibrada e incorpore em si a sombra e o nada.

          Muitíssimo mais se poderia falar desta obra, dada sua complexidade. Registre-se o intrigante acaso de que a madeira achada por Rubens contém a expressão Prioridade 2 inscrita num adesivo azul.

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07/12/09 – segunda-feira

          Para o dia de hoje está prevista uma reunião do grupo de entorno às 17h30, sobre museologia. As demais atividades são de iniciativa individual.  

 

4 Respostas to “Uma pintura extemporânea”


  1. 1 Alexandra 07/12/2009 às 14:21

    Adorei os textos !
    Agora, quero ir conhecer o projeto ao vivo.
    Sucesso a todos.

  2. 3 pim 07/12/2009 às 15:48

    oi turma extemporânea, foi um prazer conhecer a cabana e trocar uma idéia com vcs.
    abraços
    espero que isso seja o começo de muita coisa boa q está pra vir!

    pim


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