Extensões extemporâneas…

 quinta-feira – 14/01/10

          O mundo não para porque um bando de artistas se enfurnou numa galeria de arte em busca do ideal. Estimativas apontam para 100.000 mortos na catástrofe do Haiti, entre eles 12 militares brasileiros da força de paz da ONU e Zilda Arns, coordenadora da Pastoral da Criança e do Idoso da CNBB (indicada para o Nobel da Paz em 2006), falecida no interior da Igreja do Sagrado Coração, em Porto Príncipe.

            Um dos comentaristas deste diário, Ana Fattore, já havia sugerido que a cabana, além do seu plano de expansão para a região do entorno da FUNARTE, deveria atentar mais para o mundo exterior (o mundo “da rua”), trazendo-o para dentro da galeria Mario Schenberg (cf. Alameda Park: a exposição que não houve). De fato, uma experiência de imersão total como a da cabana, em que há concentração máxima de foco em prol de determinado objetivo, pode acarretar algum grau de alienação com relação à realidade exterior. Não que se ignore o resto, mas a missão assumida eclipsa tudo o mais.

          Assim, o falecimento de Zilda Arns não foi citado nas conversas de hoje no bar do Luisão (Bahia), onde se deu a vernissage da primeira exposição artística realizada pelo grupo da cabana extemporânea fora da FUNARTE. O bar do Bahia, localizado na rua Vitorino Carmilo nº 271, recebeu obras de André Albuquerque, Silvia Mharques, Bruno Shintate,  Rafael Aboud, Bhagavan David, André Sztutman, Victor Sandenberg e Chico Lopes (funcionário da FUNARTE/SP), além de um público de amigos, convidados e frequentadores habituais do lugar.

          A própria fachada do estabelecimento (montado numa garagem) foi inteiramente pintada por Bruno Pastore. Esta sua interferência foi a primeira fonte de polêmicas da noite. De um lado, os que a atacaram mencionaram o não aproveitamento de aspectos da realidade (falta de interação com a grade acima da porta de garagem e com o vazio espacial adjacente na lateral esquerda e acima etc.), falta de decisão na utilização das cores acarretando nebulosidade, imaturidade sugerida pelo borrado dos rolos de tinta em contraste com o traçado bem definido das figuras representativas em spray etc; os que a defenderam mencionaram a valorização dos aspectos da realidade (desenhando garrafas penduradas a partir dos conduítes da fiação elétrica e deixando vãos e vazios falarem por si mesmos, sem interferência), a decisão acertada no emprego das cores de modo a criar uma textura translúcida (sugerindo luzes garrafais quase etílicas), a excelente sacada de ter criado uma espécie de logotipo silencioso (sem nome) em que ferramentas de oficina (martelos, alicates etc.) estão alinhadas como garrafas no balcão, mostrando muita consciência no seu olhar sobre um lugar que conjuga trabalho (do comerciante) e alienação (dos consumidores de álcool). Os atacantes – chamados por Victor Sandenberg de “formalistas” – foram rebatidos com a acusação de alienação ideológica; os defensores – chamados por Sandenberg de “literais” – foram rebatidos sob acusação de condescendência estética.

          O fato é que a fachada de Pastore agradou sobremaneira aquele que lha cedeu em confiança, Bahia, o dono do boteco, muitíssimo agradecido pelo trabalho do grafiteiro. Se não foi genial, Pastore pelo menos soube agradar seu humilde mecenas.         

2 Respostas to “Extensões extemporâneas…”


  1. 1 Victor Sardenberg 17/01/2010 às 15:52

    um único detalhe: os defensores não são literais, mas sim textuais.

    a ideia deriva da consideração de que houve uma leitura formal, levando em consideração as interrelações dos aspectos estéticos, como cores, volumes, proporções… e uma leitura textual, preocupada com sistemas de significações e relações sociais e históricas.

    as duas leituras são enriquecedoras e não se excluem mutuamente. um trabalho potente pode ser lido de ambas as formas, mas a supressão de uma das considerações no fazer artístico não necessariamente configura um mal trabalho.


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