O Jardineiro

11/12/2009 – sexta-feira

          Hoje de manhã me deparei, ao acaso, com um escrito anônimo, uma simples folha de caderno recortada como uma tira, presa por um durex na parede ao lado do bordado com os maléolos de Lilian Soarez. O tom da prosa parece indicar uma mulher por detrás da caneta. O texto intitula-se “Reflexões de um Jardineiro” e tem por subtítulo “Cabana Extemporânea” entre colchetes. É certo que se trata da opinião de alguém daqui de dentro. Quando encontrar Lilian, questioná-la-ei a respeito, até mesmo para saber a quem devo congratular. 

          Seja de quem for, os indícios apontam que o texto é direcionado primeiramente a mim, para que fosse incorporado a este diário. Trata-se obviamente de uma resposta alternativa àquela que dei ao comentário de um certo senhor MacAdden sobre a postagem NOITE DE ABERTURA. Reproduzo aqui nosso diálogo, começando pelo questionamento desse senhor:

 – O relator esforçasse [sic] para que com sua bagagem critica [sic] e cultural que lhe sobra em demasia procura regar as aparentemente imaturas sementes de manifesto artistico [sic] destas horta [sic],assim que como o aplicado jardineiro sai a [sic] caça de ervas daninhas(aqui no caso entendasse [sic] por ervas daninhas manifestações artisticas [sic] muito maquiadas mais [sic] com pouco conteúdo [sic])para dar mais um belo aspecto as [sic] flores que sobram no jardim,se é que elas existem.

– Neste jardim cresce de tudo, das ervas daninhas às violetas, e nada é podado. O jardineiro é Darwin.

          Esta minha resposta, propositadamente lacônica, evidentemente não satisfez nosso escritor anônimo, que se manifestou nos seguintes termos:

“Reflexões de um jardineiro.

          A cabana extemporânea é também florescentista, pois não mais é contemporânea. É extemporânea porque está em suspenso no tempo e é florescentista porque cultiva a vida da natureza da arte (imaginação, sensibilidade e vontade humana). É uma exposição de arte onde se constroi uma cabana de arte dia a dia. Há pessoas que moram lá e há grupos de discussão sobre arte, música etc. As pessoas que vivem dentro da cabana são os moradores e representam uma pessoa ordinária de arte. Os visitantes, no entanto, são os artistas dessa cabana de arte, pois ao entrarem nesse lugar extemporâneo quebram com a normalidade. A produção de arte dentro da cabana pelos seus moradores é tão intensa e contínua que se torna corriqueira. A novidade e a subversão passa a ser realizada por aqueles que visitam a exposição como estrangeiros ilegais, pois não pertencem ao mundo ali estabelecido. Deveria haver logo na entrada um oficial de imigração ou, pelo contrário uma sala de recepção. Será que as pessoas que visitam a cabana sentem um acolhimento ou uma barreira? Quando você chega na casa de alguém que você não conhece, você se sente à vontade?”

            O texto acima, reproduzido na íntegra, além de possibilitar um ponto de vista privilegiado sobre o que seja a cabana, oferece a este narrador a oportunidade de esclarecer um ponto fundamental sobre o caráter de seu trabalho neste evento. Primeiro, não recebeu ele procuração de quem quer que seja para ser “o porta-voz oficial” da cabana. De modo algum. O único capacitado a falar em nome do grupo é seu líder, Rubens Espírito Santo. Portanto, quando respondo aos comentários que se fazem publicamente a este diário, faço-o unicamente segundo minha consciência e as contingências – de tempo, saúde, humor etc. – a que ela está submetida. Nenhuma resposta minha corresponde a consenso; muito pelo contrário: são exclusivamente pessoais e de modo algum subscritas automaticamente pelos outros 27 membros desta ocupação, como bem atesta a carta anônima reproduzida acima, em seu desejo de responder melhor a um questionamento externo. Cabe-me, contudo, o papel de escrivão, do qual não posso abdicar, e em cujas obrigações está a de sempre levar em consideração os leitores, aos quais não deixarei sem resposta, por mais que ela não corresponda a uma declaração oficial em nome do grupo.

8 Respostas to “O Jardineiro”


  1. 1 macadden 12/12/2009 às 3:45

    até que enfim veio a tona questão,quem são os artistas afinal,a resposta exta implicita ou por que não explicita aos nossos olhos,grandes artistas estão dentro da cabana por que ganharão a vez e a isso chamo de mérito,o relator desfila nem todo seu repertorio em posição previlegiada deixando uma cosideravel cota de qualidade artistica a merce dos criticos e admiradores de plantão e aisso chama de serenidade imposta pela oportunidade que lhe limita o movimento de criação e tambem mérito e envolta dessa situação como num atomo ou num sistema solar do micro ao macrocosmo titubeiam-se diversas personalidades que de alguma maneira expressão o desejo de participar e se fazer ouvir trazendo sempre alguma contribuição par esta nova situação e aisso chamo de inquietação artistica de anonimato e quem garante que não existe um acima da média ou por que não um genio do lado de ca,e tudo isso no meu ponto de vista faz gerar uma interação muito interessante,lembrando que se a vida imita arte eu digo que sem vida não existe arte,logo existir é a maior delas,desculpo-me pela lonjura dos escritos

  2. 3 peter della lage 13/12/2009 às 4:43

    adorei o texto de macadden
    bjs a todos

  3. 5 Jardineiro 14/12/2009 às 10:43

    Caro André Falacho Torres,

    Concordo que em um jardim de arte não se poda nem erva daninha e nem as mais belas flores, pois assim podem surgir novas espécies híbridas de pensamento. Mas não concordo que Darwin seja o jardineiro desse lugar. Também não concordo que a cabana, nesse ponto de vista darwiniano, seja um jardim.

    Porque você acha que a vivência dos moradores da cabana são guiadas pela seleção natural das ideias e da sobrevivência daquela mais forte? Será que uma ideia pequena e fraquinha será pisoteada pelo elefante? Pelo o que entendi, nessa cabana as ideias são discutidas de igual para igual, numa espécie de ring de duelo intelectual. Há uma possibilidade de as ideias mais fracas de ganharem força… Assim, se há uma chance para os mais fracos, se há uma preocupação com as regras, como regras para limpar os pratos depois de comer e arrumar as ferramentas, não há nessa cabana uma luta pela sobrevivência, pois há regras de convivência. O mais forte nessa cabana é a arte. E como você pode achar que a arte seja tão natural quanto um predador?

    Outro ponto que me chamou atenção na sua resposta ao comentário do jardineiro é a sua visão sobre a relação da arte coma vida, pois não acredito que viver seja a maior das artes. O meu contra argumento é simples. Daqui cem anos, quando todos os morados da cabana estiverem mortos, com o corpo morto, será que as ideias ali desenvolvidas continuarão vivas? A vida da arte é como a vida do corpo humano em seu quotidiano?
    Ou é uma vida extemporânea?

    • 6 diariodacabana 14/12/2009 às 13:27

      Ars longa, vita brevis. Quanto à questão de quem seja o jardineiro deste lugar, gostaria de ter tempo para debruçar-me sobre ela; no entanto, este me falta.
      Fico ainda com Darwin, no sentido de que há uma “lei” natural agindo sobre as mutações estéticas da cabana, não obstante sua lógica quase caótica, em que todos os elementos estão interligados e se influenciam reciprocamente; faço-o também numa alusão à espécie de liderança exercida por RES, que permite o livre entrechoque de ideologias e estéticas, onde sua intervenção é apenas uma a mais, ainda que a mais forte.


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