Dadaísmo extemporâneo? (I)

22/01/10 – sexta-feira 

            A produção dos últimos dias poderia sugerir que a estética da cabana não passa de um dadaísmo extemporâneo. Com efeito, a poética duchampiana do ready-made – atentar para a estética de um objeto supostamente banal, valorizando-o como uma obra de arte “já-pronta” – se reproduz na “moldura com fezes” de Piero Chiaretti (cf. O caso Adolfo Gordo), nas “chapas de ferro-velho” de Bhagavan (cf. lâminas de ferro), na “placa de sinalização de trânsito roubada e adulterada” de André Sztutman; no “interior de porta de carro suspensa” de Victor Sardenberg; na “pintura-retalho em cores vivas contidas pelo negro-cinza puro da textura plástica de sacos de lixo” de Rafael Pajé Aboud, e adquire seu símbolo máximo no próprio corpo da cabana concreta monumental erguida coletivamente no interior da galeria Mario Schenberg (sofá de sala, escrivaninha de ferro, capô de automóvel, santo de madeira, rolamento de aço, gaiola de passarinho, pianola de plástico etc. suspensos e apresentados como elementos estéticos de um mesmo monumento). 

            Para falar a verdade, a técnica dadaísta do “já-pronto” não se revela apenas na produção dos últimos dias, mas se insere na tradição da produção cabaneira, abrangendo o rigoroso “quadro de portas de geladeira” de Rubens Espírito Santo, o “teclado de computador com moldura de luz” de Bruno Shintate (cf. O Início), as colagens de Jan Nehring (das quais a “caixinha de música eólio-cinética em moldura azul” é o melhor exemplo) e muitas outras manifestações, incluindo até os famosos “cafés da manhã estéticos” de Silvia Mharques (cf. Café Autoral), em que o presunto, o queijo, o pão, o mel, a toalha de mesa, as flores e até o som da conversação e o movimento das pessoas são apresentados e valorizados como obras de arte em si mesmos.

            Sendo assim, fica difícil não incluir o cabanismo na tradição dadaísta, espécie de desdobramento tardio do mais radical vanguardismo europeu. Muito da poética defendida mais ou menos conscientemente pelos extemporâneos parece estar sintetizada (e hoje, quase um século depois, muito bem sedimentada, paradoxalmente quase “acadêmica”) desde 1916 pelo grande profeta do Dadá, o escritor romeno TRISTAN TZARA. Algumas de suas declarações (reproduzidas abaixo literalmente) talvez ajudem a jogar alguma luz sobre o que está acontecendo hoje na cabana:

 

“Nós não buscamos NADA; nós afirmamos a vitalidade de cada instante”

 

“Salto das imagens por cima dos regulamentos do belo e de seu controle. Isto não é para os abortos que adoram ainda o seu umbigo”

 

“Nós rechaçamos a tendência choramingosa em nós. Toda filtração desta natureza é diarréia cristalizada.”

 

“Necessitamos de obras fortes, direitas, precisas e para sempre incompreendidas.

 

“Experimentemos, por uma vez, não ter razão”

 

“Casada com a lógica, a arte viveria no incesto, engolindo, sorvendo sua própria cauda sempre sem corpo, fornicando em si mesma e o temperamento se tornaria um pesadelo alcatroado de protestantismo, um monumento, um monte de intestinos acinzentados e irrespiráveis”      

 

Aqui nós lançamos a âncora na terra gordurosa. Aqui nós temos o direito de proclamar por que conhecemos o estremecimento e o despertar. Felizes ébrios de energia, nós cavamos o tridente na carne descuidada. Somos fluxos brilhantes de maldições em abundância tropical de vegetações vertiginosas, borracha e chuva são o nosso suor, nós sangramos e queimamos a sede, nosso sangue é nosso vigor

 

“Nós não reconhecemos nenhuma teoria. Temos bastantes academias cubistas e futuristas: laboratórios de idéias formais. Faz-se arte para ganhar dinheiro e acariciar os gentis burgueses?”

 

“A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque a beleza está morta; nem alegre nem triste, nem clara nem obscura, alegrar ou maltratar as individualidades, servindo-as bolos de auréolas santas ou suores de uma carreira curvada pelas atmosferas; uma obra de arte jamais é bela, por decreto, objetivamente, para todos”

 

“Eu falo sempre de mim já que não quero convencer, eu não tenho o direito de arrastar outros em meu rio, eu não obrigo ninguém a me seguir e todo mundo faz sua arte à sua maneira” 

 

“Esse mundo não é especificado nem definido na obra, ele pertence nas sua inumeráveis variações ao espectador. Para seu criador, ele é sem causa e sem teoria”

 

“Obra de criadores, saída de uma verdadeira necessidade do autor, e para ele. Conhecimento de um supremo egoísmo, em que as leis se estiolam.

 

“Nós exteriorizamos a facilidade, procuramos a essência central e ficamos contentes quando a podemos esconder.”

 

“A arte é uma coisa privada, o artista a faz para si; uma obra compreensível é produto de jornalista, e porque me agrada neste momento misturar esse monstro às cores do óleo”

 

“Não há começo e nós não trememos, nós não somos sentimentais. Nós rasgamos, vento furioso, o linho das nuvens e das preces, e preparamos o grande espetáculo do desastre, do incêncio, da decomposição. Preparamos a supressão do luto”

 

“Toda obra de pintura ou plástica é inútil; que ela seja um monstro que faça medo aos espíritos servis, e não adocicada para ornar os refeitórios de animais com roupas humanas, ilustrações desta triste fábula da humanidade”

 

“NOJO DADAÍSTA”

 

“Todo produto do nojo suscetível de se tornar uma negação da família é dadá”

 

“Crença absoluta indiscutível em cada deus produto imediato da espontaneidade”

 

“A moral atrofia como todo produto insuportável da inteligência. O controle da moral e da lógica nos infligiram a impassibilidade diante dos agentes da polícia – causa da escravidão – ratos pútridos de que os burgueses tem o ventre cheio, e que infectaram os únicos corredores de vidro claros e límpidos que permaneceram abertos aos artistas”

 

“Eu destruo as gavetas do cérebro e as da organização social: desmoralizar por todo lado e lançar a mão do céu ao inferno, os olhos do inferno ao céu”

 

“A moral determinou a caridade e a piedade, duas bolas de sebo que cresceram como elefantes, como os planetas que nós julgamos bons. Elas não tem nada de bondade. A bondade é lúcida, clara e definida, implacável para o compromisso e para a política. A moralidade é a infusão do chocolate nas meias de todos os homens. Essa nódoa não é ordenada por uma força sobrenatural, mas pelo truste de comerciantes de idéias e pelos monopolistas universitários.”

 

“O princípio ‘ama teu próximo’ é uma hipocrisia. ‘Conhece-te’ é uma utopia, porém mais aceitável porque contém a maldade. Nada de piedade.”

 

“Que cada homem grite: há um grande trabalho destrutivo, negativo, a executar. Varrer, limpar. A propriedade do indivíduo se afirma após o estado de loucura, de loucura agressiva, completa, de um mundo abandonado entre as mãos dos bandidos que rasgam e destroem os séculos. Sem objetivo nem plano, sem organização: a loucura indomável, a decomposição. Os fortes pela palavra e pela força sobreviverão, porque estão vivos na defesa, a agilidade dos membros e dos sentimentos flameja sobre seus flancos.” 

 

“Nós sabemos ajuizadamente que não somos livres e gritamos liberdade”

 

“Eu escrevo porque é natural como eu mijo como eu estou doente”

 

“No fundo tudo é merda, mas nós queremos cagar em cores diferentes”   

                                                                        TRISTAN TZARA (1896-1963)

1 Resposta to “Dadaísmo extemporâneo? (I)”


  1. 1 macadadaden 26/01/2010 às 17:53

    eu intindi,sera que a moçada ops quero dizer rapaziada ai da cabana entendeu


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