Pintura-objeto

12/12/2009 – sábado

          A pintura é uma arte antiga. A parede da caverna e o corpo humano foram seus primeiros suportes. Desde as obras paleolíticas que chegaram até nós – como o chamado Feiticeiro de Trois Frères (caverna dos “Três Irmãos“, sul da França), pintado por volta de 30.000 a.C. – até o presente século XXI, aconteceu muita coisa: a roda foi inventada, o alfabeto, o dinheiro, o computador… de modo que é de se supor que a pintura tenha passado por muitas transformações nesse longo período de 32 mil anos.

          Na caverna de Trois Frères, por exemplo, a temática é o mundo da caça primitiva, com seus rebanhos de mamutes, rinocerontes e bisões (que ainda habitavam aquela região); a técnica é a do desenho gravado na pedra ou da pintura com espécie de tinta preta; as imagens não são representação, mas manifestação de entidades vivas, e sua função é servir de objeto da ação ritualística de interferência sobrenatural direta do homem sobre a natureza.

          Desde então, a técnica, a temática e a função da pintura têm se alterado conforme o passar dos milênios, dos séculos e das décadas. Mas foi sobretudo no fim do milênio passado, mais exatamente no século XX (320 séculos depois da composição do Feiticeiro de Trois Frères), que a pintura – entendida como modalidade de arte visual que representa realidades do mundo físico (três dimensões) sobre um plano (duas dimensões) – sofreu grande contestação, chegando-se inclusive a ser dada como morta.

          Para isto muito contribuiu uma corrente estética, entre outras, chamada arte concreta, ou concretismo, que floresceu na metade do século XX. O termo concretismo está fortemente associado ao nome do artista suíço Max Bill, que propunha a elaboração de obras que constituíssem objetos esteticamente autônomos, instauradores da própria forma, independentes de qualquer referência a algo externo. Era o fim da representação de coisas, fosse representação de pessoas, lugares, sentimentos, percepções, abstrações, delírios ou o que mais se quisesse representar na tela, no plano, na testa, no muro ou onde quer que fosse. O fim da pintura convencional, que de certo modo já vinha esgotada desde 1913 com a impertinente representação de um quadrado preto sobre fundo branco por Malevitch.    

          Mas era o concretismo de Max Bill que estava na ordem do dia no princípio dos anos 50, influenciando as artes de modo geral, como atesta, por exemplo, a poesia concreta de Décio Pignatari e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, que não por acaso insistiam no termo palavra-coisa, demonstrando sua opção estética pela palavra que se recusa a ser veículo de representação, porque quer ser vivida em si mesma, como coisa em si, enquanto matéria sonora e/ou visual que existe por si própria, fisicamente.

           Todo este arremedo de teoria que estou balbuciando veio à tona porque hoje tentei interpretar a obra de Rafael Aboud para comentá-la neste diário. E, ao fazê-lo, ocorreu-me um título que me pareceu a princípio satisfatório para tanto: A pintura-objeto de Rafael Aboud. Evidentemente, considerava certa a predominância do caráter concreto nas obras que ele trabalha diariamente na cabana.   

           Todavia, ao levar esta idéia ao conhecimento do próprio, recebi a seguinte resposta: “Objeto não. Pintura.“. E logo depois “Você sabe o que é um objeto?“. Então Aboud pegou humildemente o velho e indispensável pai-dos-burros, o Aurélio, e procurou o termo.

          Eis que objeto vinha assim definido:

Objeto. [do lat. Objectu, part. De objicere, ‘pôr, lançar diante’, ‘expor’] S. m. 1. Tudo que é apreendido pelo conhecimento, que não é o sujeito do conhecimento. 2. Tudo que é manipulável e/ou manufaturável. 3. Tudo que é perceptível por qualquer dos sentidos. 4. Coisa, peça, artigo de compra e venda: objeto barato. 5. Matéria, assunto: o objeto de uma ciência, de um estudo. 6. Agente; motivo, causa: objeto de discórdia. 7. O ponto de convergência duma atividade; mira, desígnio: a filosofia hinfu era o objeto de suas meditações. 8. Mira, fim, propósito, intento; objetivo: Tem como objeto formar-se. 9. Filos. O que é conhecido, pensado ou representado, em oposição ao ato de conhecer, pensar ou representar. 10. Filos. O que se apresenta à percepção com um caráter fixo e estável. 11. Ópt. Fonte de luz ou corpo iluminado cuja imagem se pode formar num sistema óptico. 12. Jur. Aquilo sobre que incide um direito, obrigação, faculdade, norma de procedimento, proibição, etc. * Objeto direto. Gram. Complemento que integra a significação do verbo sem auxílio de preposição; complemento direto, complemento objetivo. Objeto indireto. Gram. Complemento que integra a significação do verbo, ligando-se a este por uma preposição; complemento indireto, complemento terminativo. Objetos de trabalho. Econ. Objetos que, no curso da produção, o trabalho humano transforma em bens materiais, e que compreendem, basicamente, a natureza (a terra, o subsolo, as águas, as florestas etc.) e, propriamente, as coisas que resultam da transformação e dominação da natureza pelos homens. [Cf. instrumentos de trabalho e meios de produção]”

             Pressionado pelo tempo, desconfiadíssimo quanto a este ensaio apressado, mas um pouco mais consciente da minha ignorância sobre objetos – e mais ainda sobre pintura – decidi deixar a interpretação da obra de Aboud para outra ocasião.

4 Respostas to “Pintura-objeto”


  1. 1 macadden 13/12/2009 às 1:24

    ossi ocas euq,frase encontrada na caverna da minha mente

  2. 3 sss 13/12/2009 às 4:45

    vai lygia, roda o parangolé


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