Dadaísmo extemporâneo? (II)

23/01/10 -sábado

            Talvez seja bom, diante das questões levantadas neste diário no dia de ontem, relembrar o contexto histórico que promoveu o surgimento da estética do Dadá, revivida de modo extemporâneo, numa espécie de desdobramento mais complexo (e mais artificial), dentro da cabana armada por Rubens Espírito Santo em pleno século XXI.

            No mundo belicoso de 1870 – quando o Império Brasileiro pagava o custo de ter esmagado a ditadura paraguaia – o maquiavélico chanceler da Prússia, Bismarck, dirigiu habilmente o efervescente sentimento nacionalista alemão contra o inimigo ancestral comum aos então desunidos estados germânicos: a França, der Erb-feind, “o inimigo hereditário”. Bismarck, autêntico aristocrata agrário, catalisador do acúmulo de vontade de potência presente no zeitgeist do povo alemão, era um homem vigoroso e frio, capaz de declarar perante o Parlamento que “as grandes questões de nossa época não serão resolvidas com discursos e votos de maioria, e sim, com sangue e ferro“.

           Com a vitória fulminante sobre os franceses, Bismarck conseguiu a unificação da Alemanha, que se tornou também um Império (Reich) sob a regência de um Kaiser (referência ao latim Caesar – César em português – título dado aos imperadores da Roma Antiga) assim como o Império da Rússia tinha seu Czar.    

            A megalomania imperialista – verdadeira febre mundial, incluindo o racista Império Japonês – só recrudesceu desde então, adentrando o século XX.   

            A rivalidade, o revanchismo, o ressentimento, o rancor, o ódio, o medo e a insegurança, produzidos por tantos choques, estavam disseminados na Europa em 1914, quando o inconsequente estudante sérvio Gravilo Princip, acertando um tiro fatal no arquiduque austríaco Francisco Ferdinando (que desfilava em carro aberto), forneceu o pretexto para que o Império Austro-Húngaro bombardeasse seu país. Daí em diante, todas as potências européias se alinharam em face do conflito Áustria-Sérvia. Tudo que havia de ruim – racismo, ressentimentos, mágoas, disputas imperialistas – veio à tona. Resultado: uma catástrofe chamada I Guerra Mundial, em que 65.000.000 (sessenta e cinco milhões) de homens combateram, pela primeira vez, com metralhadoras, gás asfixiante, lança-chamas, aviões e tanques de guerra, com saldo de 10.000.000 (dez milhões) de mortos e 20.000.000 (vinte milhões) de feridos e mutilados e o surgimento de uma nova potência: os Estados Unidos da América, que salvaram a Europa da sombra de um sinistro Império Hierático Alemão, passando de devedores a credores de ingleses e franceses (Os Estados Unidos virariam logo depois, na II Guerra Mundial, uma superpotência, junto com os soviéticos, salvando o mundo do Império Nazista/Racista). Só para concluir, a Suíça, a Suécia e a Holanda – que foram poupados do conflito – viraram paraísos de riqueza e bem-estar numa Europa devastada. O mundo nunca conhecera uma guerra tão atroz, tão estúpida, tão fútil – e tão maligna.     

          A estupidez humana da carnificina de 1914-18, calcada num obtuso discurso ultramoralista, racionalista, cientificista e racista – no qual se acomodava a burguesia dominante – causou um profundo nojo num grupo de artistas refugiados em 1916 em Zurique, na neutra Suíça, liderados justamente pelo poeta romeno Tristan Tzara . Não é de se espantar, portanto, que tal grupo tenha desenvolvido um nojo especial pela História – esse emaranhado, complexo poço de ressentimentos – e tenham procurado (quixotescamente) suprimi-la, destruindo o passado e – mais do que isso – o futuro, horrorizados que estavam com todas as utopias supostamente racionalistas, mas que não passavam de instintos bestiais de dominação e poder. Os dadaístas então declararam, do alto de sua pacifista neutralidade suíça, uma espécie de “supraguerra”: guerra contra toda a cultura humana, pois esta cultura carcomida, fosse ela clássica ou moderna, levara à guerra podre do gás asfixiante. Nem modernos, portanto, os dadaístas queriam ser: daí sua radicalidade em relação ao próprio futurismo de Marinetti – já extremamente revolucionário e iconoclasta.    

            Que paralelo haverá – se é que há – entre esta primeira década do século XXI e aquela primeira do século XX, para que o discurso dadaísta se reapresente hoje, mesmo que numa nova roupagem, dentro de uma galeria de arte pública e oficial, talvez seja cedo para determinar. Seria uma reação contra a integração final do dadaísmo ao sistema de arte, sua domesticação, especialmente pela alta cultura, servindo finalmente o movimento de Tzara (caído em poder dos burgueses) como desejo tipicamente burguês de sinal de distinção aristocrático em reação ao mau-gosto de classe média promovido pela vitória da cultura de massa no mundo globalizado, mediocrizado? Teriam, de fato, os burgueses infectado o último corredor de vidro claro e límpido que permanecia aberto aos artistas: dadá? O último reduto da liberdade, defendido por Tzara, estaria ocupado agora pelo sistema? Que quer o jovem burguês: libertação de si mesmo? Tirar a si mesmo do aparelho? Matrix? Difícil determinar. De qualquer modo, há indícios de crise, e certa atmosfera de chumbo no ar. Enquanto os peixinhos artistas estão desenvolvendo a criatividade, os tubarões do poder estão armando o jogo de xadrez político nacional e internacional, calculando cinquenta jogadas à frente. Achtung, babies!   

5 Respostas to “Dadaísmo extemporâneo? (II)”


  1. 1 otário que paga esta merda 26/01/2010 às 11:16

    É incrivel o desperdício de dinheiro público com tanta merda. A FUNARTE tá precisando de uma auditoria para explicar por que se paga tanto para um bando de vagabundo acampar nas suas instalações.

    Esta porcaria vive às moscas (exceto pela cambada que usufrui do dinheiro público)cheia de lixo e de gente inútil. VÃO TRABALHAR CAMBADA.

    Esta grana paga pela FUNARTE estaria melhor empregada na reconstrução de São Luiz do Paraitinga.

    • 2 diariodacabana 26/01/2010 às 12:33

      São Luís (e não Luiz) do Paraitinga foi fundada em 1769. A cidade possui um conjunto arquitetônico de quase 90 edificações tombadas como patrimônio histórico (maior concentração do Estado de São Paulo), incluindo a antiga casa onde nasceu o médico sanitarista Oswaldo Cruz.
      Dr. Oswaldo Cruz nasceu em São Luís do Paraitinga em 5 de agosto de 1872, formando-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1892. Organizou o combate ao surto de peste bubônica registrado em Santos (SP) e em outras cidades portuárias. Propôs ao governo a instalação de uma instituição federal que fabricasse o soro contra essa perigosa peste, para que o país não dependesse das demoradas importações. Criou-se então o Instituto Soroterápico Federal (atual Instituto Oswaldo Cruz), produtor de vacinas.
      Designado Diretor-Geral da Saúde Pública em 1903 pelo presidente Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz coordenou as campanhas de erradicação da febre amarela e da varíola no Rio de Janeiro. Convenceu Rodrigues Alves a decretar a VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA, o que provocou a rebelião de populares contra o que foi considerado um abuso de autoridade por parte do governo. A famosa “Revolta da Vacina” ilustra a coragem e a força moral de Oswaldo Cruz, que persistiu em salvar uma povo que o odiava e resistia em ser salvo. Os brasileiros da época eram tão retrógados e ignorantes que Oswaldo Cruz foi declarado “inimigo do povo ” nos jornais, nos discursos da Câmara e do Senado, nas caricaturas e nas modinhas de Carnaval.
      O inimigo do povo, depois de Premiado no Congresso Internacional de Higiene e Demografia, em Berlim (1907), deixou a Saúde Pública (1909). Em 1916, ajudou a fundar a Academia Brasileira de Ciências e, no mesmo ano, assumiu a prefeitura de Petrópolis (RJ). Doente, faleceu um ano depois, não tendo completado o seu mandato.
      Este escrivão teve a honra e a profunda emoção de conhecer pessoalmente a Casa do Oswaldo Cruz em São Luís do Paraitinga, e compartilha o pesar que paulistas e brasileiros sentiram ao acompanhar a calamidade por que passou esta cidade tão especial.

  2. 3 otário que paga esta merda 26/01/2010 às 12:54

    Tá querendo mostrar serviço?

    Quem quizer saber da história de São Luiz é só consultar e penso que a maioria conhece e seu BLÁ BLÁ BLÁ não se reverterá no dinheiro gasto com essas inutilidades que melhor aplicado seria na recuperação daquela cidade isto sim ARTE.

    INÚTEIS !!!!!

  3. 5 otário que paga esta merda 26/01/2010 às 14:28

    Com certeza !!!!

    Quanto mesmo de dinheiro público voces estão levando, algo em torno de R$ 40.000,00 ?????


Deixe um comentário




Estatísticas

  • 29.278 acessos
Follow DCAL – Diário da Cabana: Abrigo Literário on WordPress.com

Todas as Postagens

CLIQUE PARA VER A IMAGEM INTEIRA

CLIQUE PARA VER A IMAGEM INTEIRA

Entre seu endereço de email para seguir este blog e receber notificações de novas postagens

Junte-se a 8 outros assinantes