Correntes da História IV

27/12/2009 – Domingo

           Para encontrarmos uma substancial transformação estética na História da Arte, faz-se necessário um salto de 20.000 anos.

           Chegamos a 10.000 a.C.: no Neolítico, o homem primitivo passa a dominar a técnica da Agricultura, deixando progressivamente de ser um caçador-coletor nômade para fixar residência em assentamentos agrícolas, os quais se desenvolvem em aldeias, embriões de futuras cidades. Foi assim que surgiram as mais antigas cidades encontradas até hoje pelos arqueólogos, debaixo de onde hoje se encontram Jericó (ruínas de cerca de 7.000 a.C.) e Çatal Hüiük (6.000 a.C.).

          A partir de 5.000 a.C., os assentamentos neolíticos já estão bem estabelecidos, e a pintura em cerâmica floresce na Mesopotâmia, especialmente nos sítios de Halaf e Samarra (atual Iraque). Nestas peças de barro cozido pintado, aparece uma organização geométrico-abstrata do espaço, segundo uma determinação mais ou menos lógica de ordem e harmonia. A arte cerâmica representa, por isso, uma expressão artística de suma importância, na medida em que revela pela primeira vez uma concepção estética humana completamente diferente daquela das pinturas rupestres paleolíticas, que apresentavam figuras sem respeito a uma circunscrição espacial, “voando” sem determinação pelas paredes das cavernas, frequentemente se chocando e superpondo umas às outras em entrelaçamentos pouco planejados ou até acidentais.

          Já a estrutura formal das pinturas em cerâmica do neolítico sugere, por sua vez, uma preocupação consciente com o equilíbrio na organização do espaço. Este parece ser preenchido a partir de seus limites, como que por força da própria geometria: o artista guia-se instintivamente pelos traçados que convergem das extremidades para o centro espacial (e vice-versa), e nisto vai descobrindo, a partir dos entrecruzamentos, formas geométricas – linhas, triângulos, losangos, cruzes – que lhe agradam esteticamente. O mais notável é que as figuras que dominam o centro espacial chegam a ganhar formas de hélices e suásticas “em giro”, isto é, com inegável senso dinâmico das formas. Surge então uma pergunta: esta dinâmica puramente geométrica, de formas abstratas e não-naturalistas, constatada na arte neolítica, reside em nós (humanos) ou é inerente ao universo, ainda que invisível? Independentemente da resposta, o fato é que as pinturas em cerâmica de Halaf e Samarra oferecem ao homem de hoje a nítida impressão de sentido lógico, com simetria e centralidade espacial, antes do desenvolvimento de qualquer ciência matemática. Além disso, denotam uma maior independência da arte em relação à religião (ainda que as peças mais ricamente ornadas fossem de uso cerimonial), evidenciando um maior interesse na “arte pela arte”, no jogo de formas puramente estético (conquanto estas formas enfeitassem utensílios de função prática).

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