Resgate de uma Mãe [capítulo de Jogo Arriscado]

Certo dia, uma jovem mulher acompanhada de suas três filhas, uma de colo, subiu pela primeira vez rumo ao segundo andar do prédio onde fica a sala do Centro de Assistência Social. Suas súplicas desesperadas ouviam-se desde as escadarias:

– NÃO TIREM MINHAS FILHAS DE MIM! EU NÃO QUERO QUE TIREM AS MINHAS FILHAS!!

As duas meninas, uma de 8 e a outra de 6 anos, irromperam a recepção do Centro de Assistência como dois pequenos ciclones, falando e mexendo com tudo e com todos ao mesmo tempo. A jovem mãe com seu nenê de colo se pôs na porta a chorar.

– Calma, senhora, o que aconteceu? – perguntou-lhe a recepcionista. A mulher estava visivelmente abalada e limitou-se a estender o braço disponível para mostrar um papel, por sinal o encaminhamento do Conselho Tutelar enviando a família para atendimento no Centro. E seguia chorando:

– Não tire as minhas filhas! Eu não posso perder as minhas filhas!

A psicóloga de plantão, Melissa, começou o atendimento ali mesmo, de pé:

– Calma, senhora, isso não vai acontecer assim desse jeito; primeiro a gente vai conversar e você vai me contar o que aconteceu, tá? Chama as meninas que eu vou atender vocês numa sala reservada.

Um copo d’água depois, a mulher – chamava-se Verônica – começou a desabafar suas angústias, e destrinchou como pôde, entre prantos e constantes interpelações de suas irrequietas filhas, o emaranhado de sua situação.

Este caso tem um histórico complexo que bem pode dar uma primeira ideia de quão complicado é o trabalho de acompanhamento feito por assistentes sociais e psicólogos de um Centro de Assistência Social; e talvez, do quanto vale a pena.

Logo foi constatado que o caso era, de fato, da alçada do Centro, pois envolvia não só desestrutura sócio-econômica-familiar, mas também vitimização por violência, no caso uma tentativa de abuso sexual contra aquelas duas meninas, cometida por um vizinho meses antes.

Segundo o relato, o indivíduo era conhecido da família, costumava beber no boteco da esquina, e vendo certo dia as duas filhas de Verônica perambulando, ofereceu 20 reais a cada uma para irem à sua casa “tomar banho” junto com ele.

O crime, porém, não se consumou. O sujeito quis garantir sigilo de antemão, chantageando as meninas com o argumento de que, se elas contassem algo, ele denunciaria imediatamente a mãe delas ao Conselho Tutelar, que viria então pegá-la.

Este detalhe é importante. No uso desse argumento aparentemente esdrúxulo, o indivíduo valia-se do conhecimento – disseminado na vizinhança – de que Verônica tinha problemas junto ao Conselho Tutelar. De fato, Verônica vinha sendo acompanhada pelo Conselho por conta de tratamento negligente em relação às meninas: efetivamente, por duas vezes confiara a terceiros a responsabilidade de pegá-las na saída da escola, os quais acabaram deixando Verônica na mão – e a diretora da escola sozinha com o abacaxi para descascar; além disso, as meninas eram vistas andando muito tempo soltas pelas ruas, maltrapilhas, às vezes pedindo esmola. Na escola apresentavam mal comportamento e baixo rendimento, e, mais do que isso, sinais de agressão, como hematomas e cicatrizes. Verônica era apontada como a autora das agressões. Nesse contexto, a determinação pela Justiça da perda da guarda das crianças era uma possibilidade cabível (uns diziam iminente), de modo que o afastamento entre mãe e filhas pairava como uma ameaça real.

No entanto, o uso dessa ameaça pelo vizinho como chantagem foi um tiro que saiu pela culatra: as meninas, percebendo que aquele homem que as seduzia com dinheiro guardava também ameaças contra a mãe delas – ato-contínuo contra elas próprias, pelo risco de rompimento do vínculo materno – sentiram o perigo e rechaçaram o convite. Mesmo assim, o sujeito insistiu para que elas o encontrassem no dia seguinte. Só não esperava que fossem contar imediatamente o caso à mãe, assim que chegaram em casa.

Aí foi o rebu. Assim que recebeu a queixa das meninas, Verônica foi tomada pelo ímpeto de ir sozinha catar o vizinho em casa, no boteco ou onde fosse para tirar satisfação naquela mesma hora. O próprio nervosismo, porém, a impediu, já que na época estava grávida de sua terceira filha (a que meses depois traria no colo em sua primeira ida ao Centro de Assistência) e poderia passar mal. Arquitetou então novo plano, que vociferava rodeando dentro de casa como uma fera:

– Ah! elas vão voltar! Vão voltar sim! Só que vão voltar comigo e com a polícia, ele vai ver!

Dito e feito. No dia seguinte estava a arapuca armada pro vizinho: as meninas como isca, os policiais como anzol. Mas quando estes invadiram a casa certo tempo depois da entrada das meninas, não obtiveram qualquer flagrante; talvez porque o sujeito tenha fisgado algo no ar a tempo. De qualquer forma, meteram-no no camburão e levaram-no para a delegacia. Verônica participou da cena do lado de fora:

“Os policiais mandaram eu ficar dentro da viatura; não deixaram eu ficar dentro da casa dele. Mas a hora que eu vi os policiais passando com ele, ele estava com a cara bem brava. Aí eu saí do carro, olhei bem pra cara dele e falei: ‘Minhas filhas estão aqui!’. Só que depois eu fiquei com medo, né? Porque na hora a polícia estava comigo, mas e depois?”

Foi aberto inquérito contra o sujeito, só que ele não foi, de fato, detido de imediato, e voltou para casa, deixando a vizinha Verônica assustada. Porém, para seu alívio e das meninas, a situação dele ficou insustentável no bairro, principalmente com a bandidagem (que, como se sabe, costuma ser intolerante com crimes que consideram piores que os seus, no que se fazem opor- tunamente de “justos”), de modo que o sujeito teve de deixar a cidade:

“Acabou que ele também não foi preso, ficou tudo por isso mesmo. Eu fiquei um bom tempo sem sair de dentro da minha casa com medo, até que os meninos da favela vieram conversar comigo, e falaram ‘Você pode sair normal, qualquer coisa a gente toma a frente’. Então ele foi embora. Ele foi embora. Para eles [os bandidos] é inaceitável, eles não aceitam. O cara deu no pé. Foi que nem os meninos falaram: ou ele ia embora ou ele morria. Aí ele largou tudo aí, a casa dele, e foi embora.”

Mas o problema de fundo ficou. Afinal, permanecia o questionamento do Conselho Tutelar sobre a conduta de Verônica enquanto mãe, e certa insinuação pairando no ar de que o caso de tentativa de abuso sexual sofrido por suas filhas era também em parte culpa sua, pois seu descuido em relação a elas – deixando-as desacompanhadas na rua – teria facilitado a atuação do criminoso.

Seria verdade esta interpretação? Primeiro: pode alguém ser acusado de incorrer indiretamente num crime, por facilitar involuntariamente que outrem o cometa? Por exemplo: alguém que para no sinal com o vidro do carro aberto pode ser acusado de provocar indiretamente um assalto, quando aparece um bandido que lhe aponta uma arma na cabeça? Pode em alguma hipótese esse condutor responder conjuntamente pelo crime de assalto?

Obviamente que não. Se alguém – muito relapso, que seja – esquece seu carro estacionado na rua com a porta escancarada e a chave no contato, e acaso o roubam (sem que o dono haja combinado nada com o ladrão, obviamente), certamente descuidou do seu carro, mas jamais a Justiça poderá condená-lo por participação em roubo. Ou acaso esse dono pode ser chamado de ladrão? Pelo contrário, foi roubado! Do mesmo modo, jamais Verônica pode, por sua suposta negligência enquanto mãe, ser acusada de incorrer, direta ou indiretamente, no crime de violência sexual contra suas filhas cometido por um tarado!

Afastada essa perigosa interpretação que confundia vítima com agressor, restava conferir a verdade interna à família: estaria Verônica sendo negligente nos cuidados de suas filhas e empregando violência para com elas, conforme as denúncias que chegaram ao Conselho Tutelar?

A própria Verônica, sempre muito veraz, foi a primeira a admitir que sim, que frequentemente perdia mesmo a paciência com as meninas, partindo para a “ignorância”, e que nem sempre dava conta do recado de cuidar das três, acompanhando sua educação e providenciando sustento e atenção adequados.

Diante disso, a psicóloga Melissa deixou claro para Verônica que era papel do Centro não só dar assistência psicológica às meninas por conta da tentativa de abuso sexual sofrida, mas também atender a ela própria, a mãe, para discutir como fazer para que os cuidados com as filhas não fossem mais violentos, não fossem mais negligentes; afinal, havia uma situação objetiva de violação de direitos das crianças.

Depois desse primeiro atendimento – no qual desabafou como um vulcão –, Verônica simpatizou com sua atendente, a psicóloga Melissa, com quem veio a estabelecer uma relação de simpatia e confiança:

“Na primeira consulta eu fiquei com o pé meio atrás. Na época eu estava muito revoltada, estava atormentada – eu cheguei a um ponto de ouvir coisas, ver vultos em casa –, estava com os nervos à flor da pele. Qualquer coisinha que falavam, qualquer palavra, minhas filhas ficavam todas roxas. E pra mim, o que eles [os conselheiros tutelares] estavam fazendo [encaminhando a família para atendimento no Centro de Assistência] era pura encheção de saco, que pra mim não ia ajudar p… NADA, entendeu?

Depois, com o tempo, a Melissa foi fazendo eu ver que era totalmente diferente. Quando eu fui lá pro Centro, ela teve muita paciência comigo. Ela perguntou como eu me sentia, o que eu achava do que estava acontecendo.

Também o que fez eu pegar confiança na Melissa foi o jeito como ela tratava minhas filhas. E a paciência que ela teve comigo, porque eu era meio ignorante, viu? Nossa! eu era meio seca, era curta e grossa, ignorante mesmo, sabe? E ela não me repreendeu. Isso me admirou nela. Porque essa é uma virtude que eu não tenho, a paciência. E a Melissa tem uma paciência que eu fico besta; e principalmente comigo: pra ter paciência comigo, só Deus – e a Melissa teve. Ali, depois, eu não fui por causa da consulta, entendeu? Comecei a ir porque eu vi uma amiga na Melissa. Teve sim um certo tempo em que eu ia porque eu tinha que ir mesmo, entendeu?, que eu era obrigada a levar as minhas filhas, mas depois eu comecei a sentir saudade… Eu já cheguei a ir lá sem ter consulta marcada, só pra poder ir conversar com a Melissa; eu comecei a pegar confiança nela, a conversar com ela, eu me abria quando não tinha ninguém para conversar.”

Amizade à parte, os atendimentos subsequentes e visitas domiciliares confirmaram a necessidade urgente de mudança de atitude por parte de Verônica enquanto mãe. Com efeito, verificou-se que os cuidados de alimentação, vestuário, higiene e acompanhamento escolar eram insatisfatórios. Não só isso. O comportamento de Verônica de reagir por meio de agressões pe- sadas (físicas e verbais) estava muito naturalizado.

Aparentemente, Verônica – tendo sempre vivido ela própria em ambiente familiar e social desestruturado – parecia não dispor de melhores recursos para conter a confusão em que as meninas a envolviam promovendo, como de fato se observava, um turbilhão de atitudes impulsivas (agitação constante, comportamentos inapropriados para o ambiente, demandas inoportunas para o momento etc.) que, apesar de normais em crianças, destacavam-se pelo altíssimo grau de intensidade e reiteração. Era patente que as crianças enfrentavam problemas tanto de limites comportamentais como de ansiedade e frustração.

As reações de Verônica diante da desordem geral eram ora um tapa, ora um grito, ora um xingamento, ora a concessão total do que lhe pediam, ora parcial, ora a patética tentativa de ignorar – até explodir. Tudo na base da impulsividade. Suas decisões (e quem tem filhos se vê obrigado a tomá-las a cada instante) não seguiam qualquer padrão constante. Reinava a mais ampla arbitrariedade, de modo que as meninas tinham como previsível com relação à mãe apenas uma coisa: haviam de temê-la, pois ficava nervosa de repente (aparentemente sem razão) e empregava brutalidade em suas reações.

A mais magoada com a mãe era a mais velha, Natasha, de 8 anos. Ressentia-se das surras violentas, dos xingamentos pesados, da falta de comida. Parecia sentir também, por dentro, que sua mãe lhe devia so- bretudo mais carinho, mais afeição. De fato, conhecia da mãe, até então, apenas a face hostil. Verônica era ex- tremamente rude com Natasha, e não lhe dava demons- trações de afeto visíveis. Em Natasha, as mágoas da hos- tilidade sofrida estavam se transformando em rancor, de modo que a inimizade tornara-se mútua, como se a mãe e a pequena filha não se gostassem. Verônica ad- mitia que não sabia manifestar carinho às filhas, e que perdia a paciência frequentemente:

“Até hoje dá para contar nos dedos as vezes que eu abracei a minha filha. Eu nunca tive isso; aí quer dizer: pra mim fazer isso é complicado, entendeu? Vai fazendo uma bola, tudo pra uma pessoa só. Eu acho que não dá, acho que fica muita coisa, e pra mim ficou muita coisa, porque eram elas, eu tinha que trabalhar, faltavam as coisas em casa, eu não tinha como trabalhar porque não tinha quem olhasse elas.

Aí elas falavam qualquer coisa, eu: ‘QUÊ!?!’. Não é que nem agora: ‘fala, filha…’ Antes não: ‘QUÊ!?, NÃO ME ENCHE O SACO NÃO!!VAI TOMAR NO… ! SAI DAQUI!”, Eu era bem por aí. Quando eu falava, tava brigando com minhas filhas. Os outros começavam a ficar muito legal comigo, eu perguntava ‘VOCÊ QUER O QUÊ??’. Eu era curta e grossa. Quando as meninas vi- nham muito boazinhas, me beijavam, eu: ‘NÃO TENHO DINHEIRO NÃO, SAI FORA!’, bem assim. Minhas filhas tinham medo de me abraçar e me dar um beijo.”

A mais nova, Miúsha, de 6 anos, era mais doce (menos exteriormente ressentida), até porque não tinha estrutura para mais nada senão ser vítima passiva da situação de desestrutura familiar. Uma menininha muito judiada, muito carente, mas que conseguia sorrir e sonhar em sua inocência de criança.

Ora, era urgente reverter esse estado de coisas, até para evitar que Verônica perdesse a guarda das meninas.

O problema é que andava tão atrapalhada em sua vida, tão atolada em dificuldades, que não conseguia dar consistência ao processo de reversão. Faltava aos atendimentos, não persistia nos encaminhamentos indicados, e apresentava muita resistência ao acompanhamento.

Exemplo disso foi um dia em que Melissa foi procurar Verônica em casa para tentar convencê-la a retomar o atendimento, depois de largo tempo de ausência sem dar notícia. Nessa época Verônica vinha tendo problemas com o Conselho Tutelar por conta do uso de maconha.

– VOCÊ TÁ VINDO AQUI FAZER O QUÊ!? – gritou Verônica já de dentro de casa para Melissa, mal esta se aproximara – Você quer que eu saia da minha casa? Eu não quero sair da minha casa! Eu estou bem dentro da minha casa! Eu não estou enchendo o saco de ninguém! O que eu faço, o que eu deixo de fazer é problema meu! Se eu fumo maconha o problema é meu! Eu estou estra- gando o meu pulmão, não o dos outros! – e continuou soltando os cachorros, com xingamentos pessoais e tudo. Claro que a visita da psicóloga não tinha nada que ver com aquilo, mas Verônica, muito estressada, associou sua vinda às pressões que vinha sofrendo.

Enfim, o episódio foi superado com um pedido de desculpas de Verônica, que soube reconhecer que estivera exaltada mais do que o de costume naquele dia, e o acolhimento da técnica, que compreendia claramente o contexto vivido pela usuária. O acompanhamento foi retomado e o caso começou a evoluir positivamente, principalmente nos atendimentos pessoais, onde Verônica cada vez mais tomava consciência de si mesma e de sua situação. As meninas também tinham adquirido um apego muito grande por Melissa, adoravam a hora de ir para o Centro, e demonstravam se sentir mais protegidas emocionalmente.

Entretanto, tudo empacava na hora de Verônica seguir os encaminhamentos, dentre os quais os mais importantes eram psicoterapia para as três no ambulatório de Saúde Mental, reingresso e acompanhamento das meninas na escola e tratamento de fonoaudiólogo para Miúsha, que apresentava problemas na fala, além de um diagnóstico sobre uma questão de saúde de Verônica que a deixava muito ansiosa. Ela sentia muito desgaste em resolver estas questões objetivas, e acabava desistindo. Conforme não cumpria os encaminhamentos, também ia faltando aos atendimentos. E assim, uma “resistência final” ao acompanhamento acabou superando de novo a vontade de mudar, e Verônica o abandonou novamente.

De qualquer modo, àquela altura sua resistência ainda resultava na permanência da situação de risco de violação dos direitos das crianças, e o Centro, depois de seguidas tentativas infrutíferas de trazer Verônica de volta ao atendimento (incluindo visitas domiciliares), notificou o Conselho Tutelar de seu não comparecimento.

A conselheira que tomava conta do caso de Verônica foi então novamente até ela, advertiu-a das questões da lei, especialmente do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que prevê inclusive a perda da guarda das crianças no caso de não solução para os maus-tratos.

Depois dessa chamada, Verônica juntou forças e voltou ao acompanhamento no Centro. Foi nesse período que emergiu mais claramente para a usuária a consciência de que ela reproduzia com as filhas a mesma falta de afeto que havia sofrido enquanto criança. De fato, ela própria tivera uma vida marcada por uma criação sem cuidados, sem limites, tendo sofrido muita violência e negligência.

Afinal, quem era esta mãe que submetia as filhas a maus-tratos?

Bem, é impossível reproduzir aqui uma biografia de Verônica de modo sistemático; isto requereria um livro específico. Limitaremo-nos, aqui, a alguns detalhes selecionados.

Descendente de imigrantes romenos (ciganos) e migrantes nordestinos, essa aquariana da periferia de São Paulo nasceu em 1977. Cita como referências musicais Janis Joplin, The Doors, Metallica, Iron Maiden, Raul Seixas, Zé Ramalho, Alceu Valença… ou seja: uma autêntica roqueira, mas que também gosta de samba, como por exemplo Jorge Aragão, Martinho da Vila e Zeca Pagodinho, além de muitas outras coisas, como Racionais MC ou Kenny G. Mora no subúrbio, onde a preferência atual é pelo chamado “funk” (carioca), mas não aprova as letras e já aderira mesmo ao rock principalmente anos 70, que na sua época de adolescência – anos 90 – passava por um reavivamento. Já aos 14 anos frequentava o agito do mais alternativo salão de rock da região, onde viveu suas baladas mais alucinantes.

Claro que sua vida tem passagens legais e divertidas para contar, muitas aliás. Verônica – por estranho que possa parecer – é uma pessoa de trato muito agradável, muito meiga, simples, e ao mesmo tempo muito experimentada, daquelas com quem se pode conversar por horas sem se cansar, e causos é o que não lhe faltam. Mas nos atentaremos aqui aos mais penosos, que apontam para a hipótese de que o caso de Verônica é o típico exemplo da vítima de maus-tratos (negligência, violência) que acaba reproduzindo esse comportamento.

Sua vida foi difícil desde o nascimento. Verônica foi a segunda gravidez de sua mãe (que viria a ter 6 filhos no total). Porém seu pai, que havia aceitado o primogênito da esposa, rejeitou esta segunda criança, por suspeita de adultério:

“Quando minha mãe ficou grávida de mim, ele não me aceitou. Ele queria só o meu irmão. Ele não aceitou eu. Só que o meu irmão, ele não é filho do meu pai… o meu irmão é filho de outro homem. Meu pai sabia disso. Mas o amor pela minha mãe era tão grande, que ele preferiu ficar cego do que assumir isso. Aí, quando ela ficou grávida de mim, aí ele não quis, por ser menina e ser negra. Que eu não sei aonde que eu sou negra, né?, mas… o primeiro filho era louro dos olhos claros. Puxou meu avô: o meu bisavô também era loiro dos olhos claros. Ele é a cara do meu bisavô, esse meu irmão mais velho. E meu pai tinha raiva só de mim, porque a única filha morena dele era eu (porque ele também tinha mais filhos com outra mulher, que são mais velhos do que eu). E me contaram até que, quando minha mãe me teve, o Conselho Tutelar ia me buscar no hospital, porque minha mãe ia me largar lá, a mando do meu pai. E só não foram me buscar porque esses meus tios – que são os meus pais adotivos – não deixaram; também porque minha avó tomou a frente; se minha avó não tivesse tomado a frente, eu teria ido para um abrigo. Então, eu não tive esse amor paterno, eu tive rejeição.”

Verônica foi então entregue para ser criada pe- los tios-avós. Mesmo que isso implique alguma coni- vência de sua mãe, Verônica justifica-a pela influência negativa do pai:

“Eu não sei se eu faço isso para apagar a mágoa que eu sinto dela, entendeu?, mas eu acho que, na mão do meu pai, minha mãe sofreu muito, muito, muito. Minha mãe chegou ao ponto de pegar um negócio, uma tábua de carne, e quebrar na cabeça do meu pai. Ele queria ba- ter nela grávida de mim. Meu pai era matador de alu- guel. Daí minha mãe fala que ela sofreu muito, passou fome, que ele não queria nada com nada, andava com más companhias, e tinha um ciúmes doentio. Meu pai foi meio da pá virada. Por ela passar muita necessidade com o meu pai, os tios dela – os meus pais adotivos – pegaram eu pra criar.”

Verônica mal se lembra da fisionomia de seu pai, que morreu quando ela tinha 2 anos de idade. Já nessa época sua mãe conheceu outro homem, com quem partiria pouco depois para Pernambuco e se casaria. O detalhe é que esse novo homem – que Verônica chama até hoje de padrasto – também a rejeitou acintosamente, impondo à mãe a seguinte condição para a união: que o casal não levasse consigo aquela filha da antiga relação, mantendo-a como estava, sob o cuidado dos tios:

“Aí o meu padrasto conheceu a minha mãe. Meu padrasto simplesmente falou: ‘Ou eu, ou ela!’. Eu já morava com os meus pais adotivos. Aí o meu padrasto levou minha mãe pra Pernambuco. Eu nunca gostei do meu padrasto, porque eu cresci com a história de que meu padrasto fez a minha mãe escolher entre eu e ele.”

Verônica comenta na passagem abaixo sobre a carência provocada pela partida da mãe, que deixava para trás uma criança de dois anos de idade:

“Aí o que foi acontecendo: eu fui crescendo, a minha mãe de criação foi conversando muito comigo, as minhas professoras conversavam muito comigo… Porque era dia das mães, eu dava presente pras minhas professoras, que eu falava ‘eu não tenho mãe, eu vou dar pra quem?’, aí eu fazia dois presentes: um pra dar pra professora, um pra dar pra minha tia, que era minha mãe de criação. Pra minha mãe mesmo até tinha, que era cartinha que eu fazia pra ela…”

Porém, Verônica nunca chegou a entregar-lhe as cartas. Quando atingiu a idade de 7 anos, sofreu uma grande decepção com sua mãe:

“Nesse meio tempo, eu fui crescendo, crescendo. Com 7 anos a minha tia me levou pra Pernambuco pra conhecer a minha mãe. Eu fiquei toda feliz, porque ia conhecer a minha mãe! Aí a gente foi lá pro Rio Grande do Norte – minha mãe estava lá nessa época, lá em Natal. Aí eu lembro que a gente ficou lá uns 15 dias, ficou um bom tempinho lá. Nesses 15 dias que eu fiquei lá… eu não vi a cara da minha mãe.

Minha mãe simplesmente sumiu. Evaporou. Ela estava… voltei pra S. Paulo decepcionadíssima porque eu só vi meu padrasto, e eu nunca gostei do meu padrasto.”

Além disso, sua criação na casa dos tios-avós não ia bem, apresentando uma série de problemas estruturais:

“Aconteceu muita coisa… por exemplo, minha tia chegou a me colocar pra pedir esmola, falava que era presente que os outros iam me dar. Falava: ‘Ah, vai ali na casa da tia, aí você pergunta pra tia do seu presente, ou fala que você tá com fome’. E eu fazia. Ela colocava eu pra pedir esmola sem ter precisão, porque graças a Deus eu sempre cresci numa casa cheia de fartura, comida, roupa, tudo, só que eram coisas que eu não usufruía. Eu usufruía da comida do básico que ela fazia, que as coisas boas mesmo – bolacha, danone, essas coisas que criança adora – eu não usufruía, a não ser quando ela estava em casa.”

Afora isso, sofria recorrentes tentativas de abuso sexual, cometidas por homens ligados ou mesmo pertencentes à família (jamais seu pai adotivo, que fique claro), o que parece repetir certo padrão familiar (mesmo social, como se sabe):

“No meu caso não chegou a ter abuso, foram tentativas. Acho que eu tinha o quê?, uns 6 anos, 6-7 anos, a idade da Miúsha. Outra, eu tinha meus 12, 13 anos; eu já sabia diferenciar. Eu tenho isso que aconteceu comigo. Eu sei que minha mãe tem uma história parecida. Fora da família, eu já apanhei na cara por causa disso, de não querer fazer nada com ninguém.

De consequência do contato com essa malícia, gerou que eu conheci o sexo mais cedo do que era pra mim conhecer. Bem mais cedo do que era pra mim conhecer. Perdi minha virgindade com 14 anos. E outra coisa, que acho que foi bom pra mim, é que eu aprendi a conhecer tudo mais cedo, aprendi a me colocar no meu lugar. Eu dava limite pras pessoas, principalmente pra homens. Eu não deixava passar daquele limite. Foi com os homens que eu conheci… eu me sentia só um objeto sexual. Mais nada.”

Finalmente, aos 14 anos, o esperado reencontro de Verônica com sua mãe biológica aconteceu, mas não exatamente da forma esperada pela filha:

“Aí minha mãe, quando eu fiz catorze anos, a mi nha mãe veio pra São Paulo, veio morar em São Paulo com o meu padrasto. Nossa! eu me senti a mulher mais feliz do mundo! O que eu mais queria era conhecer minha mãe… eu só conhecia ela por foto.

Eu queria morar com minha mãe. Eu me arrependo amargamente disso que eu fiz: a minha mãe de criação estava trabalhando, ela estava limpando a casa, que ela cuidava de mim e da filha dela mais velha também…

A minha mãe chegou, na hora eu desci correndo, comecei a arrumar minhas coisas. Eu nem perguntei ‘Mãe, posso vir morar com você?’. Pelo contrário, eu já cheguei entrando de mala e cuia: ‘Mãe, cheguei!’. Ela parou ainda, sabe?

Eu vi, cumprimentei ela, fiquei feliz, tudo, aí no mesmo dia eu arrumei as coisas pra subir, que era nessa casa aqui embaixo. Aí a hora que eu cheguei, eu lembro como se fosse hoje:

‘OI MÃE, OI RONALDO! EU VIM MORAR COM VOCÊS! Agora que minha mãe tá aqui, eu vou morar com MINHA mãe, Ronaldo!’

Aí deu aquele baque nela. Ela olhou pra cara do Ronaldo, o Ronaldo olhou pra cara dela, aí o meu olho já encheu de lágrima…

‘Tá bom, filha, pode ficar.’

Mas eu fiquei triste porque a relutância dela de falar ‘pode ficar’, sabe? Aquilo me marcou, aquilo me doeu bastante. E tanto… que nem eu falei pra ela: quando eu cumprimentei ela e quando meu irmão cumprimentou ela, eu contei no relógio: ela ficou meia hora abraçada com meu irmão, ela até chorou quando viu o meu irmão [o primogênito de sua mãe] . E eu não. Mas mesmo assim, eu estava tão empolgada por ela ter voltado, eu tava tão feliz… ‘Agora eu tenho a minha mãe!, a minha mãe que me fez, que me pariu, minha mãe de verdade, não é mãe de mentirinha!”, que eu nem tchuns… Se arrependimento matasse… eu não teria voltado pra casa dela. Eu fiz o que o meu coração mandou, mas eu magoei muita pessoa por causa disso, muitas pessoas que gostavam de mim de verdade.

Eu comi o pão que o diabo amassou com o Ronaldo. Só Deus sabe. Eu simplesmente coloquei minhas malas no chão e falei ‘daqui ninguém me tira’. Eu quero morar com a minha mãe e eu vou!”

Até chegaram a passar um ano vivendo sob o mesmo teto – mas num clima infernal. Os relatos abaixo são exemplo:

“Teve época que meu padrasto chegou a pegar dois mil reais em notinhas e queimar… Com isso ele queria dizer que ele tinha.

Ele ficou assim tão bravo porque ele ia fazer outra coisa com o dinheiro, ia comprar um negócio pra ela, pra fazer surpresa. Aí o dinheiro estava no guarda-roupa, ela mexeu. Aí ele não gostou. Ele queimou 2 mil reais na minha frente, na frente da minha mãe.

Uma vez ele deu um tapão na cara da minha mãe, eu levantei da cama; ele tinha um revólver dentro do guarda-roupa dele, aí eu catei o revólver. Aí eu ia matar ele, mas minha mãe não deixou. Eu olhei pra cara dele e falei assim:

‘Você não tirou ela da zona! Ela é minha mãe, você não vai bater na cara dela!’

Só que ela estava errada, eu sei que ela estava errada. Só que eu nunca ia dar o braço a torcer pro Ronaldo, né? Afinal de contas, eu não gostava dele, eu ia defender ele? Aí eu fiquei a favor dela, tanto que uma semana depois ele vendeu o revólver. Eu ia matar ele. Na porta da minha mãe acho que tem ainda a marca de um facão, assim, que eu taquei nele.”

Até que finalmente, no dia de seu aniversário de 15 anos, ocorreu o episódio que determinou o rompimento daquele frágil vínculo familiar. Como sempre, a corda arrebentou para o lado mais fraco:

“Eu não vou falar pra você que eu fui santa. Eu, do meu jeito, eu tentei me vingar do meu padrasto: eu respondia a ele, eu não obedecia a ele; ele falava as coisas pra mim, eu: ‘É, ó a minha cara de preocupada!..’

Aí ele me mandou embora com 15 anos.

No dia do meu aniversário, minha mãe tinha me prometido uma festa de 15 anos, que toda a menina sonha. Nesse dia, em vez da festa, briguei com meu pdrasto, teve muita encrenca, chamei a policia pra ele naquele dia, que ele me deu um murro que eu fui parar do outro lado do sofá – só porque eu falei que ele era corno. Eu falei ‘Se a gente fala a verdade vocês brigam, se a gente fala mentira vocês brigam também!’

Aí aconteceu tudo isso no dia do meu aniversário. Eu ia fazer 15 anos. Minha mãe falou que ia procurar colégio interno pra mim. Aí aquilo me revoltou, catei as roupas que tavam no tanque, saí pisando em cima, falei que eu não ia fazer mais nada, que eu ia fazer jus ao nome que ele me chamava, de vagabunda: ‘Então eu vou ser vagabunda mesmo!’. Ele me chamava de ‘vagabunda’ no sentido de não querer fazer as coisas, não querer serviço, nesse ponto; só que eu fazia, eu não era vagabunda. Como ele falou que eu era vagabunda, aí eu levantava de manhã e voltava pra casa só à noite. Eu não lavava um copo: ‘Agora você pode me chamar de vagabunda, porque agora eu sou vagabunda. Fiz jus ao que você está falando, pelo menos você não vai sair como mentiroso’. Só que ele não gostou, que ele falou que eu era muito cínica. Falei:

‘Pois é, eu não mudei nada, eu sou filha da sua esposa; filho de peixe, peixinho tem que ser’.

Então eu saí da casa da minha mãe aqui com 15 anos. Eu fui expulsa. Fui embora, conheci o crack, foi a pior época da minha vida.”

Verônica foi morar junto com uma tia em Itaquera, e descambou para as drogas e prostituição:

“Eu comecei a usar crack quando o meu padrasto me expulsou de casa. Aí eu conheci o crack, me prostituí. Trabalhei no puteiro. Essa época eu não morava aqui, eu morava em Itaquera, junto com uma outra tia minha. Meu primeiro emprego quem arrumou pra mim foi ela, num puteiro. E foi pra poder dar dinheiro pra ela, porque ela jogava na minha cara um prato de comida que eu comia. Aí pra pagar ela, toda a semana eu dava 100- 200 reais pra ela, tava bom. Só que eu não consegui ficar muito tempo nesse emprego. Eu fiquei acho que uns três meses trabalhando nessa boate lá na Penha. Aí toda a vez que ela pegava o jornal amarelinho eu saía de perto dela, porque ela ia procurar emprego de puta pra mim. E eu falei pra minha mãe que tava tomando conta de criança, de uns nenezinho: minha mãe não acreditou, sabia que eu não tinha paciência nenhuma com criança, e eu ia trabalhar de babá? Minha mãe fingiu que acreditou. Aí eu falei pra ela: “Essa era uma época que eu precisei da senhora e a senhora não me ajudou”.

Sobre o estigma da prostituição, assim comentou Verônica:

“Até hoje eu sou apontada por causa disso. É que nem eu penso (do que eu vi, que não foi só em um lugar que eu trabalhei). Mas foram lugares bons, eu só trabalhei em casa de luxo, nunca trabalhei na rua, beira de estrada. Você tem que ir no médico, fazer tratamento, tudo direitinho, mais rigoroso); eu fiquei um ano certinho – 365 dias – sem me olhar no espelho. Eu não tinha coragem de me olhar no espelho. Eu tinha nojo de mim. Tanto pro homem quanto pra mulher, a pior coisa que tem é você se deitar com uma pessoa que você não sabe nada, não conhece, não tá sentindo nada. É horrível.

É horrível, mas eu também aprendi muito com elas. Porque tem as prostitutas e as garotas de programa. Eu não era prostituta, eu era garota de programa. Elas estavam ali porque elas precisavam; muitas estavam ali porque elas gostavam; a maioria que eu conheci não, elas não gostavam mas elas estavam ali. Por quê? É dinheiro mais fácil, não tem burocracia, você vai se você quiser, você faz o seu dia (se você quiser fazer você faz, se não quiser fazer você não faz), então bem ou mal é uma coisa mais prática. É só você saber como gastar o dinheiro depois, porque tudo o que vem fácil vai fácil. Mas aí sinceramente é difícil, dependendo da pessoa acho que ela não aguenta não. Ai… eu não tenho palavras pra te explicar o que eu sentia. Ao mesmo tempo que eu sabia que tava me ajudando eu não queria estar ali.”

Aos 18 anos, após uma tentativa-relâmpago de viver novamente na casa de sua mãe, Verônica viveu a difícil experiência de passar um mês morando na rua:

“Com 18 anos eu voltei a morar com minha mãe, depois que ela descobriu que eu tava no puteiro; ela fez, acabei voltando. Morei uma semana, briguei com meu padrasto de novo, aí morei na rua. Ele me mandou embora. Fiquei um mês na rua, de dia eu andava, de noite procurava lugar pra dormir, até que eu fui trabalhar no puteiro de novo, que aí eu podia dormir, comer, né? Eu não ia ficar na rua.

Nesse tempo, eu acho que estava bem mais revoltada que triste. Naquela época eu fui atrás de revólver pra matar meu padrasto. Se eu tivesse conseguido, eu matava.”

Verônica se afundou no crack a partir dos 21 anos. Uma época sombria, que duraria 5 anos de sua vida. Por outro lado, conseguiu nesse tempo deixar a prostituição, embora passando para outro ilícito – o jogo do bicho, que também lhe trazia problemas, especialmente das duras que levava da polícia, chegando a apanhar na cara.

Felizmente, quando fez 26 anos, foi presenteada com o nascimento de sua primeira filha, Natasha, que lhe deu novo sentido à vida e uma razão para sair do fundo do poço. Verônica conseguiu então realizar a proeza de largar o crack:

“Fiquei 5 anos da minha vida usando crack, eu fiquei só o pó da rabiola. Passava noites e noites acordada, era uma semana direto. Eu não comprava de cápsula, eu comprava de grama, entendeu?

Tem 8 anos que eu parei de usar crack. Pra mim isso daí foi uma grande vitória. A melhor coisa que aconteceu na minha vida foi eu ter ficado grávida da Natasha, que foi o que me deu forças pra eu parar. Minha tia também me ajudou muito.”

Dois anos depois nasceu-lhe Miúsha. Das duas irmãzinhas Verônica foi mãe solteira, até que conheceu seu atual companheiro:

“Eu me sentia um objeto para os homens, até eu conhecer meu atual marido. Vai fazer 7 anos que a gente junto. Ele fez eu me sentir mulher, amada, querida.

Porque o pai da Miúsha, o pai dela fez, prometeu mundos e fundos pra mim, e quando eu falei que estava grávida ele simplesmente veio me dar dinheiro e falou ‘tira ela, aborta’. Eu me senti um lixo. Eu não fiz o que ele falou. Por isso que hoje em dia ele me trata do jeito que ele me trata. Nem aqui ele vem, ele não vê a filha dele. Ele fez aniversário ontem, junto com ela – ela nasceu no dia do aniversário dele…

O meu marido fez o papel de pai pra elas. Porque antes de eu conhecer ele, quem era pai e mãe era eu. Eu sempre fui pai e mãe delas.

Fez bastante falta um pai, bastante. Sempre faz falta um homem na família. Hoje mesmo ela estava querendo chorar com saudade do pai dela. Eu tentei telefonar pra ele anteontem, ele nem me atendeu no telefone.”

Três anos depois de Miúsha, nasceu sua terceira filha, aquela nenê de colo com a qual apareceu no Centro de Assistência pela primeira vez. Nessa época, como vimos, Verônica era pressionada pelo Conselho Tutelar a parar os maus-tratos às suas filhas, principalmente na forma de negligência.

No Centro, além das medidas puramente assistenciais (essenciais, diga-se de passagem) que foram tomadas em favor de Verônica – como inclusão em programas como Bolsa-Família e Renda Cidadã – demandava-se junto a outros órgãos públicos que lhe fosse prestada assistência médica (tanto de saúde física como mental), especialmente acompanhamento psicoterápico de longo prazo junto à mãe, para que se pudesse trabalhar com calma aspectos estruturais de sua afetividade.

Ainda assim, os atendimentos pessoais do Centro de Assistência Social conseguiam, por si só, surtir efeitos positivos em ajudar Verônica a entrar em contato com suas mágoas e superá-las, com conscientização:

“A Melissa foi fazendo eu cair em si. A minha vida era ficar dentro de casa trancada; eu não falava com ninguém. Quando eu falava tava brigando com minhas filhas, brigando com meu marido. Aí eu fui parando, de pouquinho em pouquinho. Graças a ela eu tive coragem de enfrentar a vida. Eu comecei a me abrir pra vida. A tentar pelo menos deixar os outros chegar perto de mim, me ajudar. Acho que eu comecei a admitir que eu precisava de ajuda. A Melissa me ajudou, ela fez eu admitir os meus problemas, conseguiu fazer eu colocar pra fora tudo o que eu queria falar, tudo o que eu sentia.

E a Melissa fez eu acordar pra vida, pra quê: que eu tava tratando as minhas filhas que nem a minha mãe me tratou. Aí no meu subconsciente, lá no fundo, quando eu botei a cabeça no travesseiro, pensando nas coisas que ela falava comigo, pra mim, no meu subconsciente eu tava fazendo a mesma coisa com minhas filhas que minha mãe tava fazendo comigo. Eu não quero que minhas filhas amanhã sejam eu hoje, ou eu ontem – porque eu acho que hoje eu tô bem melhor do que ontem. A Melissa fez eu acordar que minhas filhas me veem como um espelho, então quer dizer: pra eu mudar elas, eu tenho que mudar eu.”

Inclusive, quando perguntada sobre qual foi o momento decisivo para iniciar sua “reação” contra a fragmentação pessoal e familiar, Verônica cita um episódio passado no Centro de Assistência Social:

“Foi o dia que eu tava lá no Centro, conversando com a Melissa. Eu tava chorando, a minha filha Natasha veio, me abraçou:

‘– Mãe, eu te perdoo, tá?’

E ela tava com a perna toda roxa: um dia antes eu tinha dado uma surra nela não me lembro por quê; e sabe de uma coisa: eu não tenho a mínima ideia; sei que eu tava nervosa e lasquei a surra na minha filha. Sei que aquilo eu desabei em prantos. Foi nesse dia. Nesse dia que eu comecei a acreditar mais em mim, que eu ainda tinha chance de recuperar o amor das minhas filhas.”

Infelizmente, não houve mais tempo para reações lentas e progressivas. Quando Verônica estava enfim se encaminhando para o tratamento psicoterápico de fato, no ambulatório de Saúde Mental, chegou ao Conselho Tutelar uma denúncia de que ela estaria fumando maconha na frente das crianças. Foi a gota d’água.

A conselheira que acompanhava o caso foi averiguar a situação, acompanhada de uma assistente. Chegando lá, deparou-se com Verônica segurando um cigarro de maconha na mão, ainda apagado.

Verônica estava sentada no sofá de sua sala quando viu a conselheira parada na porta. Ficou atônita, sem saber o que fazer.

– Oi Verônica, posso entrar?

– Pode…

– Esta é a minha assistente.

– Oi.

– Posso olhar o quarto das meninas?

Quando a conselheira entrou no quarto, Verônica aproveitou para depositar discretamente o baseado num canto do sofá.

– Verônica, vem aqui que eu quero falar com você – chamou-lhe a conselheira. Verônica foi, e ouviu:

– É, o quarto está bem arrumado… Agora, você acha que está certo o que você está fazendo?

Referia-se à maconha. Verônica, sem querer se comprometer, não lhe respondeu nada. Enquanto isso, a assistente da conselheira aproveitava, na sala, para fotografar o cigarro de maconha no sofá como “prova”.

– Vou precisar falar com a sua mãe. – disse a conselheira – Onde é a casa dela?

– É aqui – apontou Verônica da própria janela do quarto, pois sua mãe morava na casa contígua mais abaixo, no mesmo terreno.

A conselheira desceu sem consentir que Verônica a acompanhasse, alegando que precisava falar com sua mãe em particular. Nesse momento Verônica pressentiu o que aconteceria; começou a chorar de agonia, certa do pior. Ao mesmo tempo, tentava se agarrar à esperança de que a conselheira iria lhe dar outra chance.

Enfim a conselheira voltou, depois de conversar com sua mãe e uma irmã que morava próximo:

–Você já sabe o que aconteceu, né?

– Não, você ainda não me contou! – respondeu-lhe Verônica, mirando-a fixamente com olhar cínico, mas no fundo lacrimoso.

– Você sabe que eu vou levar as meninas… Verônica emudeceu.

– Só que é provisoriamente, você não está perdendo a guarda total…

A conselheira passou a lhe explicar a situação, mas Verônica desatou o nó na garganta e se pôs a chorar. E só sabia chorar, desesperadamente. Sua irmã veio consolá-la, abraçando-lhe e pedindo calma.

– ME DEIXA CHORAR! – repeliu-a Verônica.

– Filha… – disse-lhe a conselheira – eu não vou lhe falar nada agora, que eu sei que você está com raiva de mim. Mas saiba que um dia você ainda vai me agradecer. Eu também não fico feliz com o que eu estou sendo obrigada a fazer; eu também sou mãe, e sei o que você está sentindo.

– SERÁ QUE VOCÊ SABE MESMO!?! – Retrucou Verônica, e entrou para o quarto.

– Bom, eu preciso que alguém arrume a roupa das meninas pra eu levar… – pediu a conselheira.

– EU NÃO VOU ARRUMAR NADA!! VOCÊS QUEREM LEVAR MINHAS FILHAS, VOCÊS ARRUMAM!!! – gritou do quarto Verônica.

Puseram-se a arrumar, enquanto a irmã de Verônica tentava novamente consolá-la:

– Calma, eu vou ficar com a Natasha, eu vou levar a Natasha pra minha casa.

Nisso Verônica entrou em desespero total:

– E A MIÚSHA E A BEBÊ?? AS MENINAS VÃO PRO ABRIGO!!! MINHAS FILHAS VÃO PRO ABRIGO!!! O QUE QUE EU VOU FAZER!?? O QUE QUE EU VOU FAZER!???

Foram então até a sogra de Verônica para ver a possibilidade de ela ficar provisoriamente com as meninas. Voltaram com a notícia de que sim, a sogra aceitava ficar com as duas, o que acalmou um pouco Verônica. Enfim arrumaram tudo e colocaram as crianças no carro da conselheira para partir. Foi o momento mais duro para Verônica:

“Na hora que elas saíram eu não fiquei perto. Eu não consegui ficar perto. Aí a hora que eu vi o barulho do carro, aí eu saí, pra ver as minhas filhas indo embora. A hora que eu vi elas entrando no carro, eu… acabou a Verônica ali, sabe?”

Os dias seguintes à retirada foram de um remorso desesperado:

“Os 15 primeiros dias que eu fiquei aqui na minha casa sem elas, foi difícil. Eu não ficava aqui. Eu não conseguia ficar aqui. Eu fiquei quase uma semana sem comer, sem conseguir dormir, fumei muito, foi aí que eu fumei mais, fumei, fumei mesmo. Eu dormia, eu acalmava. Todo canto aqui – já começa por ali: do jeito que era, ficou. Do jeito que elas deixaram, eu deixei. Eu não modifiquei nada.

Me culpei bastante. Eu me culpei porque eu me culpei no modo de o seguinte: de amanhã ou depois eu querer dar uma moral pra elas e eu não vou poder. Que moral que eu tenho pra falar de moral com as minhas filhas? Se eu não tivesse feito o que eu fiz, elas não sairiam de perto de mim. Eu acho que o sentimento de culpa é pior do que o sentimento de desprezo. Eu acho que o de culpa dói mais que o de desprezo. Você se volta contra você. Nossa, eu dei tanta cabeçada na parede, comecei a bater em mim mesmo, o meu marido ‘calma, calma’, eu já ia pra cima dele. Comecei a bater mesmo: ‘eu sou uma burra, eu sou uma burra, eu sou uma idiota!’, chorando; quebrei a minha panela de pressão, taquei no chão – que esse era o meu mal, entendeu, eu pegava e quebrava as coisas. Quebrei um monte de copo, joguei um monte de coisa fora, aí depois que eu fui acostumando com a ideia, eu fui me colocando no meu lugar, e que eu pensei: ‘não, se eu continuar assim vai ser pior’, que eles me deram prazo de 6 meses a um ano pra eu recuperar elas, dependendo das condições.’

Com tudo isso, Verônica ainda teve entendimento e resignação suficientes para extrair, dessa que foi sua pior experiência, o lado positivo:

“Esse momento acho que foi o pior momento da minha vida. Esse momento, além de ser o pior da minha vida, foi o melhor, que foi ali naquele momento que eu aprendi a me conhecer e conhecer as minhas filhas. No dia que elas foram embora, foi aí que eu acordei.”

Passado o choque inicial, Verônica pôs-se de pé e partiu numa carreira desesperada pela recuperação de suas filhas. Convencida de que o flagra da maconha fora determinante para a retirada das meninas, e disposta a fazer de tudo para retomá-las o mais rápido possível, apareceu no Centro de Assistência com a ideia pronta de que tinha de ser internada numa clínica para tratamento de drogadição, pois assim o juiz iria ver o seu esforço de recuperação e devolver suas filhas mais cedo. Antes já tentara no próprio ambulatório de saúde, dizendo simplesmente “Eu vim aqui pra internação! Vocês precisam me internar!” – mas obviamente não fora atendida como queria.

A psicóloga Melissa, que continuava acompanhando o caso, explicou-lhe então que não era bem assim que funcionava a coisa, que ela precisaria iniciar a psicoterapia para ser avaliada a necessidade de internação e, principalmente, para poder trabalhar as causas do uso da maconha, dos maus-tratos das filhas, entre tantas outras questões.

Devidamente orientada, Verônica desistiu da ideia de “se internar”. Passou a seguir todos os encaminhamentos conforme o indicado, e não faltou mais aos atendimentos. Teve também a grandeza de reconhecer pessoalmente o papel da conselheira tutelar, que lhe ajudara a despertar por meio do choque dado pela retirada das filhas:

“Aí eu fui, conversei com a conselheira, e eu agradeci a conselheira por ela ter tirado minhas filhas de mim. Aí ela ficou de mandar um papel pro fórum, pedindo a resposta pra eles, pra ver quando que elas podem voltar pra casa, que ela falou que provavelmente eles vão deixar voltar, porque eu matriculei, fiz tudo direitinho. Eu não perdi oficialmente, eu perdi a guarda provisória. Mas é que nem ela falou: se chegar a acontecer de novo o que aconteceu antes, aí eu perco a guarda mesmo, aí elas vão pra adoção.”

Aconteceu felizmente que Verônica conseguiu ter suas duas filhas menores de volta no prazo mínimo, enquanto a maior ficou sob a guarda da sogra, a quem, aliás, a Verônica é muito agradecida pelo apoio. Foi a sogra quem lhe disse a célebre frase:

“Pra educar as filhas, tem que educar primeiro a mãe.”

Algo certeiro no sentido daquilo que ela própria vinha se conscientizando, com auxílio do Centro de Assistência Social, bem como tentando pôr em prática:

“Eu tentei começar a remodelar minhas palavras. Ainda to precisando remodelar mais. Fui remodelando minhas palavras, minhas atitudes. As brigas dentro da minha casa foram parando. Mas aí eu tive minhas recaídas, como eu ainda tenho. Mas eu tento me segurar o máximo.

Eu to tentando mudar bastante. É difícil. Eu num vou falar que recuperei totalmente, mas eu acho que pelo menos uns 70% eu consegui recuperar. Não se muda assim dum dia pro outro. Mas eu tô tendo pessoas que tão tendo muita paciência comigo. A Melissa fez eu aprender a (como é aquelas pessoas que fazem estatua?) a me esculpir, a me remodelar. Eu acho que tô tendo bastante resultado positivo. E ainda vou ter resultados melhores. Eu aprendi a olhar pras minhas filhas com olhar de mãe. Não com olhar de ‘Ah, ela é minha filha, coloquei no mundo, agora vou dar o que comer, levar pra escola e pronto, acabou, o carinho tá dado’. Eu aprendi a elogiar elas, aprendi a fazer com elas o que não faziam comigo. Que eu acho que às vezes um bom elogio, um bom incentivo ajuda bastante.

Eu aprendi a ser mãe. Elas querem ter eu como espelho, então elas vão ter eu como espelho. Aprendi que não custa eu chegar na minha filha… eu chegar na minha filha: ‘eu te amo’. Agora eu tô conseguindo. Eu tô aprendendo, a gente aprende. Tudo que é ruim a gente aprende, não aprende? O bom também pode aprender. “

Além de parar de insultar e agredir as crianças – um decisivo avanço! –, Verônica também começou a procurar dar mais atenção em manter constância e coerência na imposição de limites. Segundo os técnicos do Centro, esse era mesmo um ponto importante a ser aperfeiçoado. Verônica enfim entendeu que era sua função colocar, sem uso de violência, limites adequados nas filhas, e não esperar que elas os adivinhassem e respeitassem por si mesmas. De fato, antes dessa conscientização, Verônica se enfurecia por suas filhas terem infringido limites dos quais sequer tinham sido avisadas, tratando-as como adultos, como se já soubessem, já tivessem de saber desses limites sem entretanto nunca tê-los recebido de alguém. Igualmente, quando queria conduzir a imposição de limites, era muitas vezes arbitrária, pois sua fúria e impulsividade faziam-na tomar atitudes descontroladas, impedindo-a de manter um padrão que constituísse um parâmetro seguro para as filhas.

Exemplo disso era a questão dos castigos desproporcionais. Isto foi discutido em atendimento (no qual, por não se tratar de psicoterapia, muitas vezes é preciso que o técnico avance mais diretamente no sentido de cobrar medidas de proteção das crianças). Melissa falou a Verônica:

– Mãe você já é. A gente vê pelo seu jeito de falar das suas filhas, que você realmente gosta das suas filhas. Agora, o que você vai fazer pra tentar se controlar e não bater?

– Não sei.

– Dá pra fazer outra coisa? algo que sirva de castigo, mas que não seja bater?

– Já sei: tirar o DVD!

Muito bem. Só que na semana seguinte lá vinha Verônica dizendo que, sempre que passava raiva com as meninas, logo gritava:

– Vocês vão ficar UM MÊS sem DVD!!! Ao que a psicóloga lhe orientou:

– Assim você não vai conseguir e é pior, porque você vai ter que voltar atrás. As meninas aprendem como é o seu jeito – que você avisou, mas não aguentou deixar elas sem o DVD por tanto tempo –, então elas vão te azucrinar de novo com essa história, e tem uma hora que você não vai aguentar e vai explodir; aí fica pior do que antes. Você não tem que ficar fazendo ameaças a toda hora; você tem que colocar uma regra simples e cumprir.

E assim foi fazendo Verônica, tentando ser mais paciente e carinhosa, mas também mais justa e sistemática em sua disciplina doméstica. O resultado de todo esse esforço começou a refletir no comportamento das meninas:

“Depois de tudo o que aconteceu, elas ficaram bem mais calmas, bem mais obedientes, bem mais carinhosas comigo. Elas não tem mais medo de chegar perto de mim e falar: ‘mãe, eu te amo’.”

Bem ilustrativo disso foi quando Verônica foi chamada à escola pela professora de Natasha. Assim que recebeu a notícia, olhou feio para a filha:

– Natasha, SE PREPARA!

– Mãe, você não vai me bater! – respondeu a menina, entre ressentida e indignada.

– Se eu vou te bater não sei: eu não sei qual é o problema…

Verônica já chegou à escola atacada. A professora foi logo perguntando:

– Mãe, o que foi que você fez?

– Por quê? O que foi que a Natasha fez? – replicou, certa de que a filha aprontara.

– Nossa, mãe, a Natasha tá um amor, tá exem- plar, tá fazendo toda a lição dela, parou de responder…

Verônica ficou boba de ouvir aquilo. A própria diretora da escola, que tivera vários atritos com ela por causa de Natasha, chamou-a para elogiar a menina, o que a deixou muito motivada, confiante no processo de recuperação:

“Aquilo me animou a continuar. a Natasha me trouxe o caderno pra eu ver. Se você ver o caderno da minha filha! gosto. Se você visse de antes e de agora… A minha outra filha também, a Miúsha. Eu tendo motivos.”

A própria Verônica parece melhor reconciliada consigo mesma e com sua história:

‘Eu sou a ovelha negra da família; eu sempre sou, sempre serei: sabe que eu não quero perder esse cargo? Não quero não; antigamente eu queria, hoje não faço questão, pelo contrário, hoje em dia estou tentando fazer diferente. Eu fico olhando tudo o que minha mãe faz comigo, mas de todos os filhos dela, a única que sempre tá ali do lado dela sou eu. E não sou igual a ela, não sou mesmo, pelo contrário. Mas o pessoal fala ‘Ah, mas você gosta tanto da sua mãe, você venera tanto a sua mãe’. Mas e aí? Até aí qual é o problema de eu gostar da minha mãe? Eu gosto, vou fazer o quê? Já tentei pegar raiva dela, mas não consigo. Não dá, não consigo. Mas eu tenho esperança de esculpir ela. Quem sabe, um dia.’

Enfim, uma história de muita adversidade, mas igualmente de muita superação, que promete um final feliz, pelo menos no que depender da disposição de Verônica:

“Todo mundo tem uma perspectiva na vida. A minha, o meu ideal agora, é dar pras minhas filhas o que eu nunca dei. Dar pras minhas filhas o que eu não tive. O mais importante é o carinho. Se eu der carinho pras minhas filhas, elas vão me retribuir com carinho, é isso que eu aprendi. Agora, se eu ficar como eu ficava antes, a socos e pancadas, gritos e berros, elas não vão me respeitar, elas vão ter medo de mim. Eu não quero que elas tenham medo de mim, eu quero que elas me respeitem.

Eu sei que… não sei se eu fui muito boa ou muito ruim, sei que Deus tá me dando uma segunda chance, e eu vou aproveitar. Meu objetivo agora é qual: recuperar a guarda das minhas filhas. Agora eu vou testar minha paciência. Agora é que são elas. A minha cara é ter paciência. Agora eu tô tendo mais do que eu tinha, mas ainda acho que não é o suficiente. Pro meu caso ainda teria que ter muito mais paciência. Eu acho que esta aqui [Verônica, grávida de sua quarta menina, aponta para seu ventre] – no caso aqui seria a minha quarta filha –, ela vai ser melhor tratada – não digo com preferência, nada disso – do que eu tratei elas. Por eu ter aprendido, porque elas são a minha vida. Enquanto eu estiver viva, o que eu puder fazer pelas minhas filhas, eu vou fazer. Se for preciso mudar para isso, eu vou mudar.”

***

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