Sobre a entrada da FUNARTE

10/12/2009 – quinta-feira

             Algo precisa ser dito sobre a forma tomada pelo corredor a céu aberto que, partindo do portão da Alameda Nothmann, leva às galerias internas da FUNARTE. A última notícia sobre o assunto, referente ao dia 29/11/09 (cf. O INÍCIO), dava que os antigos grafittis que cobriam inteiramente as paredes desse corredor haviam sido recobertos por RES de branco – apagados, para ser claro; também que a FUNARTE ganhara em maturidade estética com isso, apesar do caráter abusivo do ato. Com efeito, o branco deixado por RES foi logo em seguida apropriado, de modo brilhante, por uma única e longa frase de Joseph Beuys, escrita em preto por Bhagavan de uma ponta à outra da parede esquerda do corredor, enquanto a parede direita recebeu um único e concentrado expurgo de Nehring e Chiminazzo, tapando uma janela com a fúria muda de um emaranhado de fitas de cena de crime. O próprio grafitti teve sua vez, com a intervenção firme e lúcida de Bruno Pastore sobre a área da guarita do vigia adjacente ao portão, na verdade uma investida quieta – mas audaz – de Pastore sobre o conceito amplo de “abrigo que oferece guarida”, envolvendo portanto diretamente a cabana, vista de fora com a consciência crítica de sua paradoxal artificialidade e necessidade. Discreto, Pastore conseguiu pôr a guarita em diálogo com a cabana sem poupar nem menosprezar a ambas.

           Mas o grupo é grande. 28 artistas. O genioso Pedro Maia, chegando à FUNARTE depois que os demais envolvidos no caso tinham ido embora, viu aquele apetitoso montão de espaço em branco sobrando na parede da esquerda (onde reinava solitária a frase de Beuys pintada por Bhagavan) e não se aguentou; saiu desenhando. Resultado: o corredor, que havia (a alto custo) se livrado das imagens dos monstrinhos coloridos de outrora, voltava de novo a ter uma série de figuras coloridas e desenhos representativos, em suma: a concretude estética se dissolveu, a concisão foi por água abaixo, e sem concisão perdeu-se a contundência. 

            A coisa por pouco não descambou para a marmelada quando outros ocupantes se acharam no direito de também eles escreverem nas paredes da FUNARTE aquilo que achavam legal; vieram os poemas e frases de efeito, que quase transformaram a instituição federal num centro acadêmico de facu. Parece que a curadora Esther Góis ficou uma arara, não sem razão.

            Não se quer aqui acusar ninguém. Pedro Maia acaba de ganhar, junto com André Sztutman, a 41ª ANUAL da FAAP, e não é nenhum ingênuo. Um dos seus desenhos, inclusive, é uma boca riscada com um x, o que indica a consciência de seu ato (no mínimo uma oposição da pintura frente à literatura). Enfim, o que se quer tão-somente é revelar que um trabalho coletivo em arte também tem seus desconcertos, além de salientar o difícil papel da liderança: quando este narrador sugeriu apagar com suas próprias mãos as interferências “indevidas” de Maia, recebeu uma veemente admoestação por parte do líder do grupo, Rubens Espírito Santo: “Ponha-se no seu lugar, quem entende de estética aqui sou eu!”

            Foi o bastante para que este narrador se desse conta da real injustiça do ato de abandonar a posição que lhe é própria para avançar sobre atribuições alheias, e voltasse atrás. Nada foi apagado.

            Hoje, vejo o corredor mais como um testemunho desta história, que mostra a complexidade da empreitada em que estamos metidos.

4 Respostas to “Sobre a entrada da FUNARTE”


  1. 1 macadden 10/12/2009 às 23:47

    mais conhecida com a famosa troca de 6 por meia duzia,só que no caso da meia duzia colocada pelos aspirantes a artistas da cabana notasse uma profunda ansidade e digasse de passagem que a ansiedade no mundo artisco é sinonimo de imaturidade ou as veses revela uma grande falta de se saber o que se esta fasendo,ou então pior ainda o fazer por fazer sem proposta nenhuma,e lembrando ainda que um espaço em branco é como uma pausa na musica um silencio,aonde menos é que soma e o mais polui e confundi,peço desculpas para aqueles que colocaram algo de conteudo nessas tão atacadas paredes,e torço pela maturação coletiva do projeto

    • 2 diariodacabana 10/12/2009 às 23:53

      Não houve troca, mas soma. Aspirantes todos são, na medida em que aspiram a uma arte verdadeira.

      • 3 diariodacabana 11/12/2009 às 0:11

        P.S.: Macadden, sua observação sobre a correlação entre o branco da parede e o silêncio na música é muito pertinente, realçando o quanto Bhagavan soube rompê-lo de modo sublime, na pintura, pela palavra escrita, sem emitir qualquer som. Do mesmo modo, salienta a consciência da atitude de Maia, ao desenhar abaixo da frase uma boca vedada por um x.

      • 4 diariodacabana 11/12/2009 às 0:36

        Vale lembrar que Pedro Maia e Bhagavan David tocam juntos no EPICAC TROPICAL BANDA, sendo músicos profissionais, com álbuns gravados e importante destaque na música brasileira eletrônica. Confira http://www.myspace.com/epicactropicalbanda


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